Pelas
vias públicas, carregando como camelos ao sol, bugigangas ou levando a
tiracolo, como pratos de balança, cestas com legumes ou frutas, lá
vão eles, os esforçados cooperadores do nosso progresso, que a gíria
denomina "turcos", mas que efetivamente, são os filhos do
Líbano.
Neste
universo, nasceu Hussein Abdo El Salan - o menino Jamil - em 7 de maio
de 1934 no centro de São Paulo, no Anhangabaú. E foi na rua Barão de
Duprat, na 25 de março e arredores, reduto da colônia árabe que viveu
plena e saudosa infância. Aos dez anos, já conhecia a fina flor da
boêmia dos anos 40, que da região, frequentava o "Bar Bilhar
Restaurante Internacional" onde trabalhava e que também era de
propriedade paterna (Abdo El Salan).
Em
1947 com a dor do falecimento da mãe e após a venda do bar um ano
depois, trocou o Brasil pelo Líbano e apostou no recomeço da vida
convivendo e aprendendo com a cultura árabe-libanesa; formou chácaras
e sítios que existem lá até hoje. Contudo, nunca se esqueceu do
Brasil e do bom arros com feijão, e mesmo a coalhada (temperada com
sal, pepino, hortelã e alho) - prato típico e predileto - não foi
capaz de segurá-lo por muito tempo lá, retornando aos 20 anos para
São Paulo.
Passado
algum tempo, a inquietação o levou para Minas Gerais e, em Varginha,
investiu numa "meteórica carreira futebolística" como
goleiro pelo Botafogo de lá, participando até de torneios importantes
no Sul do Estado.
Em
Minas também conheceu a mais linda flor entre as mulheres, aquela que
viria a ser, contrariando a cultura árabe, a sua única esposa e a mãe
de seus dois filhos - Dona Edna. Casaram-se e retornaram já para o
Bairro do Tucuruvi em São Paulo.
Aos
26 anos de idade, Jamil começou a trabalhar na feira como vendedor de
frutas. Guerreiro e perspicaz enfrentou as adversidades da vida com
bravura oriental e como todo bom pai, ao lado de uma mulher encantadora
ensinou os bons costumes e a melhor educação aos seus filhos, o que
sempre, lhes renderam bons frutos.
Apesar
da religião muçulmana, foi batizado e batizou a sua prole na Igreja
Católica, entretanto, nunca virou as costas para nenhuma crença, e diz
ser até simpatizante da Umbanda. Mas foi a batucada que ocorria pelas
ruas do bairro, principalmente a sua ao comemorar as vitórias do
palmeiras, que o introduziu à malandragem do samba.
Em
1976 ingressou na Acadêmicos do Tucuruvi, alguns meses depois da
fundação como tesoureiro, participou do primeiro desfile oficial da
Escola, cujo tema era "Sonhos de Carnaval" e o samba-enredo de
autoria de Osvaldinho da Cuíca e Jangada... de lá pra cá nunca mais
esteve longe da folia.
Envenenado
pelo samba assumiu a presidência da escola em 83 e 84; se afastou em
seguida, retornando em 92 após a renúncia do até então presidente -
foi nesse "mandato tampão" que Sr. Jamil conquistou para a
Tucuruvi o direito de desfilar entre as grandes com o enredo "O
Samba Pede Passagem". Com pulso forte e determinação permaneceu
no grupo de elite até 94, quando amargou o rebaixamento num ano muito
complicado para todas as escolas. Apesar da derrota e dos rumores do seu
possível afastamento, deu a volta por cima e em 97 alcançou o Grupo
Especial novamente, permanecendo nele até hoje. O menino Jamil
tornou-se "piolho de samba", "carne de pescoço",
tanto que não é à toa que a Tucuruvi vem crescendo gradativamente,
ano após ano, e isso se deve à coragem deste descendente do Líbano
que o carnaval paulistano abraça e muito lhe deve, pela sua
transparência e eficiência administrativa. Contudo, Jamil nunca se
gabou, muito pelo contrário, humilde, sempre admitiu ajuda.
Hoje,
a grande responsabilidade da Brinco da Marquesa é fazer uma homenagem
à sua altura; equiparar-se da mesma grandeza para, só assim, mostrar
um pouco da sua vida. Sr. Jamil ao batizar a Brinco da Marquesa criou
laços de amizades que vão muito além do carnaval, tanto que, ao
cogitar esta homenagem, foi unânime a aceitação e a alegria dos
componentes.
A
festa que nossa escola faz há 15 anos na avenida estará reforçada por
essa história rica em luta e dignidade, que só Hussein Abdo El Salan
soube viver.
Obrigado
Sr. Jamil.
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