No carnaval de 2025, a Unidos do Peruche apresentará um enredo histórico em homenagem ao Seo Carlão, um dos cardeais do carnaval paulistano. Um enredo lúdico, carnavalizado e repleto de emoção. Aproveite a sinopse!
Laroyê, Exu! Te peço licença para contar o princípio de tudo! Sem pressa... lentamente fecho os olhos, respiro fundo para encontrar no meu imo o brio da minha trajetória, visualizando tudo nessa passarela, para como griot, contar-lhes a minha história:
Sou fruto da inspiração, sou a alma que surgiu na imensidão do universo de Olorum. Cria dos tambores ancestrais, herdeiro de majestades de pele retinta, de cabeça erguida e fomentado pelo axé dos orixás.
Sou herança dos primórdios, do berço da humanidade, da mística terra sagrada de raízes tão nobres quanto ébano.
Sob a luz deste carnaval, rezo a minha lenda e agarro-me ao orgulho da minha ancestralidade africana. Louvada seja a terra mãe! Repasso as memórias e me orgulho do legado que na minha vida brotou.
Eu vim com o vento, tal como poeira de um ritual que atravessou o oceano e se deparou com o Brasil. A minha alma se tornou matéria em uma das tantas áfricas espalhadas pelo mundo: Pirapora do Bom Jesus. Foi lá que eu, Carlos Alberto Caetano fui abençoado pela Dona Maria, a minha querida mãe.
Nas andanças ao seu lado, conheci os famosos barracões, por onde reinava a festa do povo de todo canto do país. Foi ali que me apaixonei pelo batuque: o samba de bumbo, a umbigada, a caipira de jaci...
“Pirapora ê! Pirapora ê!” ...
Foi ali também que encontrei algumas raízes do samba paulistano... Até hoje, o meu coração se emociona ao ouvir o bumbo tocar! Batucar é uma questão de honra!
“Tumdum.. tumdum...Bate o bumbo nego”!”
Da família herdei cultura, dos palcos da vida herdei um destino compositor. Pelo samba me encantei, muitas canções eu criei e pelo carnaval me apaixonei. E por falar em carnaval, de diversas maneiras eu brinquei nos becos e vielas, embalado pelo Suvaco de Cobra, a Flor do Bosque e na querida Lavapés.
O tempo passou e o que eu buscava era uma relação mais íntima com a cultura da qual sou herdeiro. O coração já não sabia mais viver sem o carnaval. Reuni-me com os mais fortes laços de amizade e bordamos o pavilhão nas cores do Brasil e ali começou o real canto de liberdade!
Eu vi nascer a Sociedade Esportiva Recreativa Beneficente Unidos do Parque Peruche, a atual Unidos do Peruche. Eu já não era mais o Carlos Alberto Caetano, eu me tornei o preto partideiro conhecido como Carlão do Peruche..
“Tumdum.. tumdumdum...”
No Terreiro do Caqui, um dos primeiros locais onde a escola ensaiava, o coro comia solto! O chão era batido de terra e repleto de gente bamba! A cada dia tínhamos a certeza que construímos uma verdadeira escola de samba! Uma grande escola de samba! Uma gigante escola de samba!
Porém, nem tudo são flores...
Tempos sombrios avassalaram o Brasil. A opressão tentou nos silenciar... O samba foi marginalizado e visto com preconceito. Nas diversas invasões que sofremos no Peruche, instrumentos foram quebrados, o espaço destruído e muitos sambistas apanharam pelo simples fato de exaltar a cultura popular.
Lembro como hoje eu gritando para o “homi” – Calma meu senhor! “Onde tem laranja podre também tem laranja boa! ”A minha nação é feita de muita laranja boa! – Eram cenas que rasgavam meu coração...
Mas meu povo não desiste fácil não! Juntos resistimos! Tentaram nos apagar e emudecer, mas não sabiam do tamanho da nossa força! Minha alma é preta! O meu corpo é preto! Meu povo é preto! A nossa força é a nossa cor! Nada, absolutamente nada conseguia nos deter!
Dito e feito! As forças do samba e do povo perucheano venceram barreiras, superam os preconceitos e conquistaram o Brasil e o mundo! E por falar em conquistas, de forma especial, por diversas vezes a estrela da Peruche brilhou mais forte! Eu vi as cores do nosso pavilhão brilharem em campeonatos inesquecíveis, em tantos carnavais que os olhos chegam a marejar só de lembrar...
“Que cenário deslumbrante, que paisagem fascinante”. Impossível não recordar do tal “Rei Café”, o samba de enredo da década de 70 parou o Anhangabaú em um grande carnaval. Enquanto, na década seguinte, foi arretado ouvir em “Água Cristalina”, a voz de Eliana de Lima: “Ô ô, a menina bonita no chão da Bahia dançou Mariana”.
E é claro que os tambores do Ketu derramaram o axé no cortejo de "Os 7 Tronos dos Divinos Orixás". Neste carnaval, em meu jacutá brilharam astros ilustres da festa de momo: a Peruche teve como carnavalesco João Trinta, o intérprete Jamelão e o grande mestre Laila como diretor de carnaval.
A ancestralidade, o canto, a cultura, a religiosidade e a história do povo negro nunca se desligaram da nação perucheana. Já nos anos 2000, “Quilombos, Quilombolas, Kizomba, Meu Quilombo é Peruche!” marcou uma nova consagração da escola e reafirmou o orgulho afro-brasileiro.
Anos depois, a Peruche num só coração cantou "Karabá e a lenda do menino do coração de ouro", que em 2015 selou mais um grande momento da nossa história.
Hoje, 2025, mais uma vez estamos aqui. Ouço o repicar dos tamborins e o som da sirene! O vento sopra a cortina de confetes e serpentinas neste palco, a velha avenida, que faz os nossos corações pulsarem mais forte.
“É carnaval, carnaval, carnaval...”
Meus passos já não acompanham mais a força da nossa juventude, mas tenho a certeza de que nesse cortejo a verdadeira herança vou deixar, afinal eu também sou um dos Griôs do samba paulistano, o cardeal do samba.
Sei que meus passos são finitos, porém quando se fala de amor lidamos com aquilo que nunca acaba.... Compartilhar um pouco da minha história é falar sobre gente preta, do nosso carnaval e ancestralidade. É falar sobre a festa da cultura popular! É falar sobre gente que vive no aperto, mas que ao atravessar a passarela tornam-se majestades!
Hoje feito menino-rei vou atravessar essa avenida tal como sambamos na tradicional Rua Zilda, cheios de alegria e festejos! Quero abraçar meu povo! Eu vou brincar mais um carnaval coroando a minha comunidade! Bora, Peruche! Vamos renascer, pois nessa terra de bambas o amor jamais vai terminar!
Brilhem tão forte quanto o cruzeiro do sul, símbolo da nossa escola! Despertem do peito o grito preso e cantem alto com muito orgulho e força! E se a pele arrepiar sem ter sido tocada... foi a alma que disse “sim”.
Axé meu povo!
“Lalai ala laia oh oh ... Lalai ala laia oh oh ...”
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