A África era uma região exuberante e majestosa. Os negros das mais diversas nações que compunham o continente sempre primaram por suas danças e rituais explodindo em um universo de cores. Nos meados do século XVI, o continente africano e toda sua realeza se viram ameaçada. As constantes guerras na Europa, com seus países medindo forças, buscaram na África as vítimas da escravização. Os portugueses, mercadores contumazes, trouxeram este povo como carga. Seguiu-se longo período de sofrimento, de castigos, lutas e sangue derramado, mas, também de muita fé e esperança. E assim, esperançosos, muitos negros conseguiram fugir da trágica sina, nas verdes entranhas do nosso País, fundando os quilombos. O “Quilombo de Palmares”, situado na Serra da Barriga, atual Estado de Alagoas, foi o mais conhecido. Perdurou por quase um século e chegou a contar com uma população de cinqüenta mil habitantes. Palmares não era apenas um esconderijo, era um verdadeiro reino com hierarquia definida, onde cultivavam a terra e trocavam parte das colheitas por outras coisas que precisavam. O grande líder natural e revolucionário de Palmares chamava-se Zumbi, exemplo da disposição guerreira do povo negro para lutar pela vida e pela dignidade, uma herança do Orixá da justiça, Xangô, além dos iluminados ancestrais africanos. Este guerreiro conduziu seus comandados quilombolas contra a opressão escravagista, à luz da liberdade: E era a quilombagem, uma expressão tão importante que fazia os senhores-de-engenho buscarem recursos militares, políticos, jurídicos e até mercenários, para combatê-la. Os gloriosos feitos de Zumbi ecoavam pela nação afora e chegaram fortes em São Paulo, onde há ainda hoje remanescentes dessas comunidades; uma delas, o Quilombo do Cafundó, interessante comunidade nas proximidades de Sorocaba, que fala uma língua constituída por um vocabulário onde estão reunidas várias palavras, de várias línguas do grupo banto: cupópia. Esta aldeia conserva até hoje costumes e características culturais, como moradias de taipa cobertas de sapé, fogões a lenha, cura por ervas, o candomblé como religião e principalmente a linguagem. Já no Vale do Rio Ribeira de Iguape, sul do Estado de São Paulo encontra-se importante conjunto de comunidades quilombolas, cuja ocupação se deu por ex-escravos fugidos ou libertos, principalmente ao longo do século XVIII; esses que chegavam à região casavam-se com mulheres nativas e se fixavam em terras próximas, tornando-se pequenos agricultores. O destino reservou à cidade de Santos o segundo maior quilombo do Brasil: o Quilombo do Jabaquara atual bairro do Jabaquara naquela cidade, histórico reduto do negro Quintino de Lacerda, ali formado no Século XIX, para abrigar escravos fugitivos das fazendas de café que precisavam de proteção, com mais de dez mil quilombolas; e, próximo a este, mais para os lados de Vila Mathias, houve o Quilombo o do Pai Felipe, “O Rei Batuqueiro”.
Mais tarde a história registrou um momento que poderia ser sublime: a libertação da escravatura em 1888. Um marco decisivo, contudo, longe de ser a solução, os negros libertos não tinham sequer condições para seu sustento, sem trabalho, sem moradia, e, sobretudo sofrendo discriminações. Às mulheres restou apenas trabalhar como mucamas e aos homens, em virtude da força física, como estivadores e outros trabalhos braçais. Mesmo submetidos a sevícias, os negros não cediam às pressões, deixando legados de importância inconteste para a sociedade brasileira, entre eles a religião e o sincretismo com o catolicismo, decorrente da proibição por parte dos senhores-de-engenho em professar a religião original e a conseqüente projeção das entidades características àquela nos santos católicos. Trouxeram também o jongo, de origem possivelmente angolana, em que o canto tem o papel fundamental, associado aos instrumentos musicais e à dança, observando-se que alguns pesquisadores classificam-no como um de "tipo de samba" mais antigo; e a congada, manifestação cultural que tem origem no catolicismo e nas sangrentas histórias de guerra do povo africano, como a do assassinato do rei de Angola, em que dramatizam uma procissão de escravos feiticeiros, capatazes, damas de companhia e guerreiros que levam a rainha e o rei negro até a igreja, onde serão coroados.
Hoje, o negro por meio de suas heranças quilombolas conquista cada vez mais sua liberdade de expressão ao compartilhar as riquezas culturais de sua raça.
Na cidade de São Paulo não foi diferente, a resistência dos brancos frente à nova cultura, e à necessidade de expansão da metrópole fez com que os negros partissem para a periferia em busca de espaços próprios para suas vidas. Nos subúrbios da cidade eles construíram centros de resistência e terreiros onde puderam desenvolver sua cultura. Entre manifestações como a tiririca (espécie de capoeira paulista) e danças de origens africanas, surge o samba na cidade de São Paulo, com uma leitura própria dos sambistas de então, que faziam a ponte do universo rural vivido por eles com sua chegada no espaço urbano em diversos pontos da cidade. E assim vieram os cordões, que tinham autorização para desfilar, e que, obedecendo a determinadas regras das autoridades da época, não recebiam qualquer tipo de sanção. Estas manifestações foram importantes na cidade, somadas à lista dos baluartes do carnaval paulistano como: Inocêncio Tobias (o Mulata), Pé-Rachado, Seu Nenê, Seu Carlão do Peruche, Madrinha Eunice, Xangô de Vila Maria, entre outros.
O resultado foi positivo e o desfile das escolas de samba foi oficializado no final de 1967 pelo prefeito Faria Lima. As escolas viraram verdadeiros quilombos, realizando fantásticas festas que podemos tranqüilamente batizar de Quizomba. Na região do Peruche, a comunidade se organizou, dando origem a Unidos do Peruche (1956), com uma quadra para seus ensaios, em sítio antes denominado "Terreiro do Caqui", a qual foi a primeira quadra de escola de samba na cidade. Hoje a Unidos do Peruche, mantendo as tradições puras do autêntico samba brasileiro, ostenta em seu pavilhão as cores da bandeira brasileira. O orgulho do perucheano é manter a chama viva do samba em suas veias, e sua luta é tão guerreira quanto à dos quilombolas; transformando, com sua alegria, o desfile em um quilombo, onde o grito de guerra ecoa na força do samba enredo. As cores do Brasil batizam este cortejo como “Quilombo do Peruche”, o “Quilombo do Samba”.
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