SINOPSE
A História da presença
francesa no Brasil abrange cinco séculos, marcados
por uma constante cumplicidade e o interesse dos
brasileiros pelas diferentes formas de cultura
francesa.
Ao longo destes
séculos nasceu e não parou de crescer a sedução e a
amizade que ligam as duas nações.
Desde os primeiros
marinheiros que estabeleceram as primeiras relações
comerciais e de amizade com os nossos índios, à
presença do índio brasileiro na França, imortalizado
na literatura da época. O interesse da França pelo
Brasil chegou a trazer expedições que sonharam criar
aqui uma França Antártica (no Rio de Janeiro) e uma
França Equinocial (no Maranhão).
No século passado foi
primeiro um fenômeno da corte: as missões francesas
depois de 1816 marcaram a arquitetura do Rio de
Janeiro e influenciaram a criação literária e
artística. O próprio Imperador Dom Pedro II manteve,
a vida toda, uma profícua correspondência com
escritores e pensadores franceses.
Na moda, nos costumes
sociais e na gastronomia. Era "chic" falar francês e
vestir-se à européia.
A presença da França
era marcante, as expedições de cientistas,
escritores, engenheiros, industriais... Presença
sobretudo das idéias, do gosto, da arte, da ciência,
da técnica, da filosofia, das letras, dos ideais
políticos, militares, sociais, religiosos,
humanitários, pragmáticos e até mesmo utópicos:
Presença da cultura e do saber.
HISTÓRICO DO ENREDO
O imaginário francês
sonhava com eldorados e paraísos lendários situados
no novo mundo. E mal se anunciava a descoberta do
Brasil e já por aqui chegavam, seduzidos pelo éden
imaginário, navegadores e aventureiros franceses,
dos quais o primeiro foi certamente o capitão Binot
Paulmier de Gonneville, em 1503. Iniciando as
relações franco-brasileiras através do comércio do
pau-brasil.
Dessas relações
cresceu uma grande amizade, nascida e cultivada pela
convivência direta entre os franceses e os nossos
primitivos habitantes, até mesmo em termos de
aliança militar e com alguns casamentos que se
tornaram lendários. Os franceses foram os primeiros
a se deixarem seduzir pelo corpo e pelos olhos das
índias brasileiras e a levarem para a Europa
notícias de sua beleza e da graça de seus gestos.
Aproveitando desta
relações de amizade, em 1550, os franceses
resolveram convidar os índios brasileiros para irem
á Rouen, fazerem parte das festividades em homenagem
ao Rei Henrique II e sua esposa Catarina de Médices;
para este espetáculo foram levados cenas da vida
selvagem. O exótico do cenário e dos figurantes
realçava um dos aspectos mais atraentes da vida
primitiva: a liberdade.
Este acontecimento não
ficou somente como um momento na relação dos dois
países, mas o Brasil tornou-se presente na
literatura francesa do século XVI, nessa ocasião
Ronsard escreveu o poema "As Ilhas Afortunadas" e
Michel de Montaigne, em "Ensaios", imortalizou o bom
selvagem.
Cinco anos depois da
festa de Rouen, Nicolas Durant de Villegaignon
fundou na Ilha da Baía de Guanabara, que hoje leva
seu nome, a França Antártica, comunidade que deveria
servir de refúgio aos fiéis da Igreja de Calvino.
Dezesseis meses mais tarde, foi construído o Forte
Coligny. Entretanto, diferenças religiosas dividiram
a comunidade, favorecendo a ação portuguesa que
conseguiu tomar o forte me 1560, mas permaneceram
alguns deles na Guanabara até 1567.
Os franceses tentaram
se estabelecer na Paraíba e no Rio Grande do Norte,
mas haviam sido expulsos e pareciam dispostos a
continuar no Brasil.
A tentativa seguinte
de estabelecimento foi a fundação da França
Equinocial, no norte do país, em área que hoje é do
Estado do Maranhão. Em 1612 fundaram a cidade de São
Luis, nome dado em honra ao Rei de França Luis XIII,
onde sonharam criar no Maranhão uma nova França, que
se pensou que os índios se transformariam em
franceses. Só que a história não se fez assim.
Alertados pela prosperidade dessa colônia francesa
que rapidamente chegou à 12.000 habitantes, os
portugueses resolveram expulsar os franceses das
terras do Maranhão.
No século XVIII, a
influência da França foi reduzida, sem no entanto
deixar de exercer. Os ideais da Revolução Francesa
ecoaram entre nós; e todas as nossas revoluções até
a República eram reflexos destes ideais: Liberdade,
Igualdade e Fraternidade.
No alvorecer do século
XIX um dos casos mais interessantes de cooperação
cultural entre França e Brasil adquire especial
interesse. Em 1808, toda a corte portuguesa ameaçada
por Napoelão, foi transferida para o Rio de Janeiro.
Funda-se o novo Reino de Portugal, Algarve e Brasil.
Em 1816, o Rei Dom João VI, providenciou a formação
de um grupo de artistas franceses para implantar
artes eruditas nas terras brasileiras. Trata-se da
famosa Missão Artística Francesa, responsável pelos
passos iniciais importantes no sentido do
estabelecimento do ensino artístico e técnico.
Entre os membros que
compunham a verdadeira embaixada da cultura
francesa, destacaram-se os pintores Jean Baptiste
Debret e Nicolas-Antoine Taunay, assim como o
arquiteto Auguste Grand-Jean de Montigny e o chefe
da missão Joaquim Lebreton, que era secretário
permanente da seção de Belas Artes no Instituto de
França e diretor do Museu do Louvre.
O notável
acontecimento assinalava o início da sistematização
dos estudos das belas artes no Brasil, como vínculo
muito marcante entre a cultura francesa, no que ela
tinha de mais representativo, e a cultura brasileira
que se expandiria sob a sua inspiração. A partir
daí, a influência da França para o Brasil não
pararia de crescer.
Proclamada a
Independência do Brasil em 1822, as relações
franco-brasileiras tiveram um novo impulso. A
emancipação política provocou o surgimento de novas
elites. A França foi um dos países cuja organização
política despertou o interesse da jovem classe
ascendente.
Nesse período o estilo
de vida já era predominantemente francês. Os
costumes, a moda, a gastronomia, o comércio, os
centros de cultura e lazer, e as manifestações
artísticas, tudo vinha de Paris. Era chic falar
francês e vestir-se à européia. O brasileiro estava
seduzido pela França e o desejo de se ter outras
mercadorias francesas crescia. Porcelanas, artigos
de fantasias e até mobiliário era importado
diretamente da França.
O Rio de Janeiro era o
palco dos acontecimentos, e justamente para lá que
iam as numerosas francesas e franceses que vinham
tentar a vida em nosso torrão. Eram modistas,
costureiras, peruqueiros, perfumistas, e muitas
outras categorias de profissionais, aos quais se
abria um inesgotável campo de atividade. E aos
poucos foram se instalando na famosa Rua do Ouvidor,
rua, que com o passar do tempo se tornou
praticamente francesa, a tal ponto de se pensar
estar em Paris.
No Primeiro Reinado,
um forte traço de união marcou os dois países, foi o
entrelaçamento da família dos Braganças com a dos
Orleans. Essa ligação entre as duas famílias reais,
nasceu do casamento do filho do Rei Luis Filipe,
François Ferdinand-Philippe d'Orleans, príncipe de
Joinville com a Princesa Francisca de Bragança filha
de Dom Pedro I; o que contribuiu para irmanar ainda
mais os dois povos.
No Segundo Reinado, o
Imperador Dom Pedro II, admirado e muito querido na
Europa, que o destacava entre os maiores chefes de
Estado pela sua expressão intelectual, trouxe para o
Brasil grandes valores da cultura francesa, que
viriam beneficiar a cultura brasileira em todos os
domínios.
No campo da educação
nacional, o Imperador imprimiu notável impulso com a
criação dos melhores estabelecimentos de ensino. A
partir daí o francês passou a ser a segunda língua
falada no Brasil, pelo número de ilustres
professores, e pela norma de serem adotados nos
estudos os livros vindos da França - veículo
principal de aprendizagem da geração brasileira que
se educou até perto da última grande guerra.
Foi assim, muito
grande, fecunda e ampla a colaboração que trouxeram
ao nosso progresso os numerosos e ilustres
franceses, muitos dos quais se fixaram
definitivamente em nossa terra. A genealogia
brasileira está, por isso, cheia de nomes franceses,
vindos para o Brasil em todas estas épocas.
E assim chegamos à
República, implantada pelo entusiasmo e o interesse
que despertavam as idéias e os livros franceses, nas
lideranças intelectuais brasileiras.
O que nos veio da
França foi, sobretudo, a grande aspiração do Estado
liberal, da liberdade de crenças e de idéias.
Mas o novo modelo de
sociedade que se tratava de introduzir no Brasil,
segundo as lições de Augusto Comte, o grande
sociólogo francês, contava, sem dúvida, com a
veneração e fervor de muitos líderes do
republicanismo brasileiro. Basta ver o próprio tema
da bandeira nacional, "Ordem e Progresso", que ainda
hoje define o espírito social, como guia e fonte de
inspiração do movimento vitorioso de 15 de novembro
de 1889. Ele viria do preceito da doutrina social de
Augusto Comte: "O amor por princípio e a ordem por
base: o progresso por fim".
No início do século
XX, Paris concentrava a atenção do mundo, como
centro em que se abria a história da Aviação. Foi a
época que surgiu a figura lendária do brasileiro
Alberto Santos Dumont, que em 1906 realizou o
primeiro vôo mecânico do mundo, despertando em Paris
uma atmosfera de grande entusiasmo, mobilizando o
interesse e o esforço dos grandes idealistas e o
gênio inventivo dos numerosos adeptos da Aeronáutica
de todas as origens, atraídos por Paris, que
dispunha dos recursos técnicos e científicos para
ser considerada, como era, o centro universal da
cultura.
No Brasil, as
instituições culturais eram, frequentemente,
reflexos das instituições francesas. A Academia
Brasileira de Letras é um bom exemplo de cópia de
modelo, não apenas na sua estrutura institucional,
mas também no seu espaço, já que se instalou numa
réplica do Petit Trianon, pavilhão que o governo
francês lhe presenteou em 1922.
Havia além das
ligações históricas entre as duas culturas, os laços
da latinidade as uniam, até mesmo pela interpretação
do campo da lingüística. O dicionário da nossa
língua portuguesa muito se enriqueceu com a
consagração dos galicismos inevitáveis, do mesmo
modo, que o dicionário da Academia Francesa adotou
alguns verbetes de origem Tupi.
No Brasil
contemporâneo, a presença científica da França, foi
marcada pela presença de Pasteur que, sem jamais ter
vindo ao Brasil imprimiu com sua escola o traço
essencial do Brasil moderno. O médico sanitarista
Oswaldo Cruz, após anos de estudos em Paris, no
instituto Pasteur, foi o responsável pela abertura
definitiva dos portos brasileiros, graças à
erradicação da febre amarela no Brasil e à criação
do Instituto de Pesquisa que leva seu nome, no Rio
de Janeiro.
Apesar de nesta época
o Rio de Janeiro já estar caminhando para um
identidade cultural própria, a influência francesa
ainda era marcante.
O Rio vivia os tempos
da Belle Èpoque e com a vinda do estilo francês e
requintado chamado Art Nouveau, as influências na
arquitetura, pintura, decoração e moda, em pouco
tempo transformaria a cidade do Rio de Janeiro em
"retrato de Paris".
Na área militar, foi
grande a contribuição da França para a formação de
Oficiais Brasileiros. Em 1919, o Ministro da Guerra,
Hermes da Fonseca convidou uma missão militar
francesa a fim de colaborar para o desenvolvimento
das forças armadas no Brasil. Após o período das
guerras as relações Franco-brasileiras perderam a
intensidade, sem no entanto deixar de existir.
Entre os vários
franceses ilustres que vieram para o nosso país
destaca-se também o fotógrafo e pesquisador Pierre
Vergê. Vergê ficou seduzido pelo Candomblé -
expressão máxima da cultura afro-brasileira,
"iniciou-se no santo" recebendo a digima de Fatumbi
e consagrado ao orixá Xangô, escreveu vários livros
e se notabilizou dentro de nossa cultura.
Em 1934 é enviada a
São Paulo Missões Universitárias Francesas compostas
de dois grupos de jovens franceses recém-formados,
entre os quais Roger Bastide e Claude Lévy-Strauss -
participam da fundação da USP Universidade de São
Paulo. Criam a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo, colaborando
também para a implantação da cultura e do saber em
nosso país.
Neste fim de século,
as relações culturais mantém uma grande vitalidade e
as relações comerciais, com a criação do Mercosul e
com a estabilidade da economia brasileira ganham um
dinamismo maior, e remete para o futuro os laços de
amizade e cooperação que vem desde a descoberta do
nosso país.