INTRODUÇÃO
No
meio, o mar. De um lado, uma
terra generosa e rica. Dessa
terra saia um produto cobiçado,
por ser fácil comércio e muito
redondo. E que no passado era
uma das mercadorias mais caras
do mundo, artigo de luxo vendido
em grãos nas farmácias, custava
seu peso em ouro, fazia parte
até dos enxovais das rainhas e
integrava testamentos de reis.
Negociar com ele significava
riqueza a curto prazo. O
produto, era o açúcar da terra
Brasil.
DOÇURA DA TERRA BRASIL
Chamada pelos antigos de sal da
Índia, o açúcar é um dos artigos
destinados ao consumo alimentar
de maior importância
internacional.
Como o seu antigo nome sugere, o
açúcar de cana é originário da
Índia, também conhecido e
apreciado nas mais antigas
civilizações. Foi sempre um dos
prêmios e uma das maiores
cobiças dos conquistadores. Com
as vitórias dos Mouros
conquistadores ela foi à Pérsia,
à Síria e ao Egito, chegando
também até a Sicília. Na Europa,
porém, o açúcar era privilégio
de grandes senhores, produto da
farmacopéia e instrumento de
práticas de magia - tal a
raridade e o preço.
Até que aconteceram as Cruzadas.
Ao retornar da luta contra os
infiéis, os guerreiros cristãos
apreciavam exibir um precioso
troféu: pequenas quantidades
daquela substância muito doce
que chamavam "mel pagão".
Grandes fortunas e poderes
nacionais se formaram
comerciando açúcar na Europa e o
propósito de colocar mais açúcar
no mercado incentivou as grandes
navegações que levaram à
descoberta de caminhos para as
Índias, para as Américas, e no
nosso caso para o Brasil.
Data do ano 1420, Dom Henrique
regente de Portugal importa da
Sicília para a Ilha da Madeira a
cana-de-açúcar. Oitenta anos
depois é descoberto o novo mundo
e marca o domínio Português no
Brasil.
O
Rei D. João III sentiu que era
necessário colonizar rapidamente
as novas terras, a fim de evitar
que outros países as invadissem
e conquistassem. Precisava
ocupar de fato a nova colônia,
para não perdê-la.
A
solução para a ocupação, foi
encontrada na lavoura
canavieira, devido Portugal já
ter experiência e contatos
comerciais que permitam a
colocação do produto no mercado
europeu. Estava lançada a gênese
da ocupação brasileira.
Admite-se as primeiras mudas de
cana-de-açúcar tenham chegado ao
Brasil em 1532, com a expedição
de Martim Afonso de Souza - era
eles alcaide-mor de Bragança e
do Pio maior, senhor do Prado,
de Alcoentre Tagarro, fidalgo da
Casa Real e nomeado por Dom João
III como chefe da expedição
colonizadora.
A
estratégia de ocupação foi a
mesma utilizada nas ilhas dos
Açores e da madeira, dividiram a
colônia em capitânias. Essas
Capitânias eram doadas aos
fidalgos portugueses que
deveriam povoá-las, cultivá-las
e desenvolvê-las.
Apesar do pioneirismo da
capitânia de S. Vicente, foi na
Capitânia de Pernambuco,
pertencente a Duarte Coelho que
se implantou e cresceu o
primeiro centro açucareiro no
Brasil, transformando a colônia
em elemento fundamental do
Império Português.
O
clima quente e úmido das terras
do Brasil proporcionou boa
acolhida à cana-de-açúcar. Em
pouco tempo, a nova colônia
portuguesa estava em condições
de fornecer aos europeus todo
açúcar que desejassem. A rápida
expansão da indústria do açúcar,
notadamente no Nordeste
brasileiro, mostra que os
portugueses haviam encontrado
condições favoráveis ao seu
desenvolvimento. Eles dispunham
de toda a terra doada pela Corte
aos donatários das Capitânias. E
contavam com a abundante
mão-de-obra escrava trazida da
África.
Multiplicaram-se os engenhos (as
construções onde se processava a
fabricação do produto), rodeados
pelos canaviais. O açúcar fez do
Nordeste a parte mais rica e
desenvolvida do Brasil daquele
tempo. As vilas, como Olinda e
os principais engenhos
tornaram-se centros de produção,
de comércio e de cultura muito
importantes. Assim a cultura do
açúcar, com sangue e suor da
escravidão construía uma nação,
que no início do século XVII, já
era o maior produtor mundial,
transformando o açúcar na grande
estrela do comércio mundial ao
longo de quase todo século.
Em
1580, Portugal passou a
pertencer à coroa espanhola. Os
inimigos da Espanha - entre os
quais figurava a Holanda -
tornaram-se, assim, inimigos de
Portugal. Durante muito tempo, o
comércio do açúcar produzido no
Brasil ligou Lisboa à Amsterdã e
outros portos holandeses, onde o
produto era refinado e depois
redistribuído para a Europa.
Na
realidade, os holandeses eram de
fato os controladores desse
comércio, sempre obtendo grandes
lucros. Porém com o domínio
espanhol, o conflito que se
seguiu interrompeu esse
comércio. Então os holandeses
decidiram obter a preciosa
mercadoria na sua fonte. O
Nordeste brasileiro. Chegaram em
1630 e só foram expulsos em
1654.
Durante os dois séculos que se
seguiam ao descobrimento, a
Europa passou a receber todo o
açúcar que consumia; ao lado do,
ouro e das pedras preciosas, era
mais uma riqueza que os
colonizadores vinham buscar no
Novo Mundo.
E
assim continuou até que, no
começo do século XVIII, o
imperador Napoleão Bonaparte, em
guerra contra a Inglaterra,
estabeleceu o bloqueio contra
navios britânicos e de outros
países que comerciavam com ela.
Eram esses navios que
transportavam o açúcar produzido
no Brasil para os portos
europeus.
Alguns anos antes, um químico
alemão havia conseguido obter o
açúcar de outra planta, a
beterraba. O produto saia bem
mais caro que o extraído da
cana, mas este estava
praticamente impedido de chegar
ao consumidor europeu. O jeito
portanto, era conseguir açúcar a
partir daquela raiz, que se dava
muito bem com o clima europeu.
O
próprio Napoleão incentivou o
trabalho de pesquisa, destinando
recompensas aos aperfeiçoadores
do processo de cultivo da
beterraba e da extração do seu
açúcar.
O
crescimento da produção do
açúcar de beterraba que se
iniciou em pequena escala na
Alemanha e se expandiu pela
França, Rússia e o resto da
Europa, além dos EUA e Canadá
criou sérias dificuldades à
produção açucareira no decorrer
do século com a Abolição, em
1888, que permitiu a indústria
açucareira no Brasil ter a sua
disposição capitais do
equipamento industrial nas
primeiras décadas do séculos XX.
Assim a modernização econômica
do Brasil no decorrer do século
XX, deram uma nova dinâmica à
indústria açucareira, apesar da
decadência nordestina, que se
verificou nas últimas décadas
com a liderança brasileira na
produção mundial de açúcar de
cana.
No
decorrer deste século as áreas
produtoras atingiram novas
regiões e a partir de 1974 com a
criação do Proálcool fizeram de
São Paulo, o principal produtor
do país.
Não foi apenas nos aspectos
políticos, econômicos e sociais
que a produção açucareira marcou
a realidade brasileira, mas
também em nossa cultura ela
deixou marcas importantes seja
na literatura, no folclore ou em
qualquer outra manifestação
cultural, esteve presente.
Na
verdade, a literatura nacional
teve, em seus diferentes
períodos, autores preocupados
com essa temática exceção feita
ao Arcadismo que devido, ao seu
caráter urbano, vinculado com as
Minas Gerais, seguiu outros
caminhos. Assim, no Barroco,
Romantismo ou Modernismo,
podemos localizar obras
relacionadas com a
cana-de-açúcar, com os engenhos
com a escravidão ou com a
sociedade açucareira, etc.
Apenas como exemplo, Gregório de
Matos no século XVII (Obras
Completas); Castro Alves e
Bernado Guimarães no século XIX
(O Navio Negreiro e a Escrava
Isaura); Graciliano Ramos e José
Lins do Rego no século XX (São
Bernardo e Menino de Engenho);
entre outro.
De
fato, o principal autor que tem
parte de sua obra integrada com
o ciclo do açúcar é o modernista
José Lins do Rego, através dos
romances: Menino de Engenho
(1932) - Doidinho (1933) -
Bangue (1935) - Moleque Ricardo
(1935) - Usina (1936) - Fogo
Morto (1943). Além disso,
podemos destacar o trabalho do
sociólogo Gilberto Freyre que na
década de trinta publicou o seu
livro Casa Grande e Senzala.
Em
relação ao folclore, é
importante destacar que a mescla
da cultura indígena, negra e
européia criou um terreno fértil
para o surgimento de mitos e
lendas relacionados com a
realidade açucareira. Apenas
como exemplo, as crenças, na
zona canavieira nordestina, da
"Serpente Verde dos Canaviais"
dona absoluta da plantação; que
nos revela a simbiose das três
culturas, pois a serpente é
parte integrante do ideário
mítico de americanos, africanos
e europeus.
Uma das feições que assumiu a
economia açucareira foi a de
desenvolver a popularização do
uso do açúcar. Contam que no
decorrer desta história Portugal
se tornou o país mais famoso do
mundo em matéria de doces e
guloseimas, em cujo preparo se
esmeravam suas melhores
cozinheiras.
Desta forma, é inegável que em
quatro séculos de plantio de
cana e produção de açúcar,
fincaram-se raízes em todos os
seguimentos da vida brasileira
que marcaram profundamente nossa
história.