1ª PARTE - MAR DE XARAÉS, ONDE TUDO
COMEÇOU
Quando, há alguns séculos atrás, a
expedição exploradora chegou fortuitamente ao Mar de Xaraés - perfeito
paraíso perdido em algum ponto da América do Sul, deparou com uma
peculiaridade fantástica: não obstante estar longe do oceano, haviam
lagoas de água salgada próximas a lagoas de água doce.
O Mar de Xaraés era habitado por indígenas
agrupados em diversas tribos, com níveis culturais diferentes. Entre
outras os Guaycurus, os Payaguas, os Bororós e os Guató, também chamados
de índios canoeiros. Cada tribo tinha o seu chefe, ou morubixaba, ou,
ainda, o grande cacique. Outra presença forte na tribo era do pajé,
chefe espiritual, misto de sacerdote, profeta e médico feiticeiro.
As mulheres fiavam e teciam o algodão,
fazendo redes e esteiras; fabricavam peças de cerâmica.
Os homens da tribo possuíam objetivos
comuns. Caçavam, pescavam; embora não possuíssem a característica de
agricultores, faziam o cultivo do milho (a época da colheita era
anunciada com dança festiva), da mandioca, do fumo, do algodão, da
erva-mate; fabricavam suas armas, suas canoas, seus instrumentos
musicais.
As crianças eram tratadas com muito afeto
e carinho por toda a tribo. Os meninos, da tenra idade à fase adulta,
eram rigorosamente orientados e treinados para talvez um dia ser
escolhido o cacique da tribo e tinha de estar aptos à grande honraria. A
sala de aula era a vasta natureza. Ao longo do aprendizado adquiriam
princípios básicos: índio não mata pelo simples "prazer de matar", índio
não rouba e tampouco pratica fraude; índio não é corrupto.
Era, indiscutivelmente, um curso intensivo
de índio.
2ª PARTE - PARAÍSO AMEAÇADO
As tribos habitavam verdadeiro santuário
ecológico. Posteriormente constatou-se que o Mar de Xaraés é uma imensa
planície de 140.000 quilômetros quadrados, cortada por vários rios e
composta por três tipos de áreas: as sempre alagadas, as periodicamente
alagadas e as sempre livres de inundações.
Ostenta a exuberância dos diversos tipos
de associações vegetais, pujante fauna (mais de 800 espécies silvestres)
se revela nas formas mais surpreendentes ao redor, principalmente, das
lagoas que não secam na estiagem, onde a concentração de animais produz
cenas deslumbrantes. Forma-se uma cadeia alimentar na qual algumas
espécies se fortalecem enquanto outras ficam mais vulneráveis.
Ariranhas, lontras, capivaras, tamanduás, onças-pintadas, jacarés,
sucuris, macacos bugios, cervos e uma infinidade de aves tuiuiús,
araras, garças, gaviões reais, urubus-rei. Todos encontram nesse
paraíso, alimentos, abrigo e satisfatórias possibilidades de proteção e
normal desenvolvimento.
Nos rios e lagoas, a forma de vida mais
abundante do locas: peixes.
A expedição exploradora permaneceu durante
muito tempo em Xaraés, em nome de um poderoso e distante Imperador,
tomou posse da região. Os índios, legítimos donos da terra, em momento
algum foram perguntados se aceitavam tal imposição.
Os anos passaram-se, o Imperador,
frequentemente informado do potencial da região, estimulou a
colonização; Daí surgiram as primeiras vilas ao redor do Mar de Xaraés.
Tribos revoltadas com a invasão foram subjugadas, outras foram atraídas
com toda espécie de bugigangas, pouco a pouco, passaram pelo processo de
aculturação. Algumas embrenharam-se em lugares remotos de Xaraés; Era o
início da civilização e da profanação do santuário ecológico.
3ª PARTE - ESTRANHOS CACIQUES, SEM
CURSO
Para administrar a região, o Imperador
nomeou um Governador Geral que trouxe, pra auxiliá-lo, um ouvidor-mor,
um provedor-mor e um capitão-mor. Esse triunvirato era completado por um
tesoureiro das rendas, um almoxarife dos mantimentos, um mestre de
fortificação, um vigário da Igreja Matriz, escrivão e outros
funcionários.
As vilas se expandiram. Outras regiões
foram conquistadas e civilizadas. Os séculos sucederam-se, as vilas
viraram cidade, algumas de grande porte.
Com a evolução territorial e a mudança de
hábitos e costumes, nasceu uma nova nação: Brasil, "O País do Futuro".
As tribos indígenas foram definitivamente substituídas por "tribos
heterogêneas de civilizados e seus caciques". A terra fértil despertou
cobiça dos fazendeiros e agricultores. Com eles grandes desmatamentos e
queimadas irracionais. A riquíssima fauna também sofre a ação dos
predadores civilizados: os coureiros na caça perversa aos jacarés, as
onças, as sucuris. cujas peles contrabandeadas para o exterior alcançam
enormes valores comerciais, e se transformam em sapatos, cintos, bolsas,
carteiras e enfeites; os caçadores de pássaros, que prestam "inestimável
colaboração" à extinção, principalmente, do urubu-rei e do gavião-real,
os garimpeiros, com uso do mercúrio promovem a contaminação e poluição
dos rios.
Os novos caciques permanecem impassíveis
ante a devastação.
4ª PARTE - MAR DE LAMA
Exercendo frágil poder, o atual Imperador
mora na cidade de Brasília, moderna capital do Brasil. Não governa
sozinho. Diversos órgãos o assessoram no exercício de suas funções:
vários Ministérios, Poder Judiciário e Assembléia Geral, órgão que faz
as leis, formada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado num total de
380 membros eleitos para um período de sete anos.
A Assembléia Geral, encastelada em
Brasília, "abortou" alguns caciques políticos "sem curso de índio" os
quais comandam bancadas na arte de legislar em benefício próprio e dos
afilhados. A dos ruralistas é a mais atuante. Só esqueceram-se do
principal objetivo de promover o bem comum. Com algumas exceções, a
"tribo política e seus caciques" praticam a "Lei de Gerson" (levar
vantagem em tudo) e cultuam a "política do é dando que se recebe". Dá
para contar nos dedos de uma mão, os políticos punidos pela conduta
imoral. E olha que sobram dedos.
Na imprensa, notícias diárias dão conta
das fraudes, das corrupções, do desvio de dinheiro público, do
comportamento antiético. Recentemente, ganhou destaque na mídia um
episódio risível, ao ser inquirido sobre a suspeita de enriquecimento
ilícito, um nobre Deputado atribuiu à sorte a sua imensa fortuna; Ganhou
inúmeras vezes na Loteria.
A propósito, o Brasil é um imenso cassino.
Nesse mar de lama, o povo está prestes a
romper a duvidosa tolerância que permite tolerar o intolerável - a
pobreza, a fome e a falta de perspectivas de um futuro melhor. O salário
mínimo, votado pela Assembléia Geral, é de R$ 100,00 Reais, não cobre o
custo de uma cesta básica. A falta de moradia tem levado muita gente à
morar debaixo da ponte, a falta de emprego serve de incentivo à mais
recente mão de obra não especializada: carrinheiros, símbolos do
subemprego.
Todos estão decepcionados. Uns mais,
outros mais ainda.
País de contraste. A pobreza (favela)
instalada ao lado da opulência (ricas mansões). De um lado, os pobres
sem recursos financeiros e materiais, do outro parcela considerável de
pobres em valores morais, embora bilionários.
Em síntese a população do Brasil está de
"saco cheio" com a tribo dos políticos.
Das sementes de princípios plantadas pelos
antigos caciques indígenas, poucas germinaram na Saara política. Se há
escassez de bons frutos, em compensação:
"Tem Muito Cacique Sem Curso de Índio"
"Se uma sociedade livre não pode
Ajudar os muitos pobres
Não poderá salvar os poucos ricos"
(John F. Kennedy)
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