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::.. SINOPSE DO ENREDO ..::
G.R.C.E.S. MALUNGOS - CARNAVAL 1995
Enredo: Tia Ciata e as Baianas

O Grêmio Recreativo
Autor:

 

CANUDOS

Anunciata era uma mulher muito bonita, além de forte e destemida. Assistiu todo o desenrolar do drama que foi a Guerra de Canudos. Conheceu Antonio Conselheiro e viu seu séquito de jagunços e cangaceiros, beatos e beatas, cegos e aleijados, loucos e todo o tipo de miseráveis que acabariam por morrer de fome ou de sede, varados de bala ou na ponta de baionetas, despedaçados pelas granadas ou decapitados pela soldadesca gaúcha, os corpos insepultos jogados à beira das estradas, na caatinga ou no interior de belo Monte, cidade-mundéu, fim de todos os sonhos e delírios.

Os 11 meses que duraram os combates foram tempo suficiente para que Anunciata se apaixonasse por um soldadinho carioca. Apaixonou-se e amancebou-se.

RIO DE JANEIRO

Com o fim da guerra, agarrada a seu soldadinho, Anunciata veio para o Rio de Janeiro num navio de transporte da tropa, cortesia do governo da Jovem República, juntamente com mais de um milhar de outros baianos e baianas que, de uma maneira ou de outra, estavam atrelados aos corpos de tropa que tinham sede no Distrito Federal.

Vieram, chegaram e se desesperaram; não havia moradia e não havia trabalho para todos.

O Governo, para aliviar um pouco a situação, resolveu doar parte de um morro da cidade para que os baianos construíssem duas casinhas ou barracos. O lugar foi batizado como "Morro da Fivela", lembrança da serrania onde estavam assestados os canhões na guerra contra o Conselheiro e sua gente. Com o passar dos meses, com seu sotaque arrevesado, os baianos começaram a chamar o lugar de "Morro da Favela", nome que perdura até os dias de hoje.

Anunciata, no entanto, não ficou muito tempo no morro. No começa do século XX já está na cidade. Trabalha como diarista, faxineira, costureira, doceira e cozinheira de forno e fogão. É pau para toda a obra, não enjeita trabalho; em um determinado momento de sua vida começa a aceitar encomendas de doces e salgados para festas e banquetes e, assim vai criando uma clientela.

De segunda à sexta-feira Anunciata vende comida baiana em um tabuleiro no Largo da Carioca e, nos fins de semana do mês de outubro, desloca-se até o longínquo bairro da Penha onde também vende seus doces e salgados, durante as festas da Igreja.

Com o dinheirinho pingando daqui e dali e já não tendo mais de sustentar o soldadinho - que um dia saiu de casa e nunca mais voltou, Anunciata, já conhecida como Tia Ciata, começa a se aprumar na vida. Sua clientela de doces e salgados aumentara bastante e ela começa a ficar conhecida e famosa.

Ali pelos anos de 1905/1906, Tia Ciata está ligada a "Tio Hilário" - Hilário Jovino Ferreira - compositor de grupos de Rancho, cantor de jongos e de partido alto, mestre-sala da gafieira, capoeira respeitado e dançarino de maxixe, um baiano acariocado, também conhecido como "o negro mais alegre da Cidade Nova".

Verdadeiramente, Tia Ciata estava em excelente companhia.

DE VOLTA ÀS NEGRAS RAÍZES

Um dia Orixá baixou na terra e chamou Ciata; falou bem alto seu nome cristão na orelha direita e, bem baixinho, falou seu nome de nação na orelha esquerda.

Nada mais havia a fazer. Ciata compreendeu que tinha um destino a cumprir. Então entregou-se...

Em 1910/1911, por aí, abandonou o forno e o fogão e abriu uma casa de Candomblé na Rua Visconde de Itaúna, 117, quase esquina com a Praça Onze (de Junho).

Os primeiros freqüentadores do Terreiro de Tia Ciata, fora de dúvida, foram os baianos do Morro da Favela,seu pessoal, gente que veio para o Rio após o fim da Guerra de Canudos, para eles já quase esquecida no tempo.

Depois vieram os moradores da Cidade Nova, do Estácio e da Saúde, vizinhos curiosos de conhecer aquela religião tão alegre, com suas cantorias e suas danças e suas mulheres tão bonitas, vestidas à moda d'África.

Por último veio gente de outros bairros mais distantes e, por fim, gente de todo o Rio de Janeiro. Vinham, conheciam a religião e os rituais e ficavam cativados pela beleza de tudo o que viam. Ficavam e nunca mais se afastavam.

A força de Tia Ciata animou outras Mães e Pais de Santo. Pouco a pouco, outros terreiros iam sendo abertos e o Candomblé passou a se espalhar pela cidade.

TIA CIATA E AS BAIANAS CAEM NO SAMBA ENQUANTO O COURO COME NA AVENIDA

A contribuição de Tia Ciata, e de outras Yalorixás baianas com terreiro no Rio de Janeiro, para a cultura popular brasileira foi inestimável; é dos terreiros que surgem as maiores novidades no campo da música, por exemplo. Não podemos esquecer que o primeiro samba gravado, o "Pelo Telefone" de Donga e do "Peru dos Pés Frios" foi composto e cantado pela primeira vez no sobrado da Rua Visconde de Itaúna, 117, durante uma festa no já longínquo ano de 1916.

Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Sinhô, Peru, Heitor dos Prazeres e muitos outros, sempre fizeram música na casa de Tia Ciata desde que, pela primeira vez, foram trazidos por Tio Hilário.

Todos estes músicos e compositores eram gente da cidade. Jamais tinham dado um passo para fora da cidade do Rio de Janeiro, de maneira que não conheciam o Candomblé ou apenas o conheciam de ouvir falar. O contato com a cultura afro-brasileira, seus rituais e suas músicas, transformou estes artistas em outros homens e suas músicas em outras músicas. Na áres da composição procuraram inserir o andamento do baticum dos atabaques em suas obras e, por fim, acabaram por agregar os "couros" em seus conjuntos musicais, marcando de forma definitiva o nascimento do samba urbano.

Quando as Escolas de Samba foram fundadas no fim dos anos vinte, já trouxeram para as ruas uma ala de percussão, a ala da bateria, produto direto dos 3 atabaques sagrados do Candomblé...

As escolas saíram, também, com uma outra ala muito especial, verdadeira convidada no Carnaval: a Ala das Baianas. No início muita gente achou estranho aquele grupo de mulheres vestidas com roupas africanas em um desfile de Carnaval mas, aí também tinha coisa de terreiro.

Diz a lenda que Ismael Silva e sua gente do Estácio, certo dia procurou o terreiro de Tia Ciata para pedir autorização dos Orixás pois pretendiam criar um novo tipo de Bloco Carnavalesco a que eles chamavam de Escola de Samba.

Diz a lenda, também, que Tia Ciata após proceder à benção do pavilhão do novo bloco, informou que os Orixás ficariam mais contentes, se o barco das Yawô's fosse para a rua junto com a Escola. Então aconteceu que as baianas saíram ás ruas.

As pessoas viam e não entendiam por que aquelas mulheres giravam e giravam ao som da batucada. Na verdade elas estavam dançando para o Orixá. Traziam para a rua a força e o axé do terreiro. Eram uma fonte de energia vital se expondo a todos. Perfumavam o ar com seus perfumes. Acalmavam os ânimos. Traziam a alegria da religião para a avenida.

A Ala das Baianas é a jóia mais rara de uma Escola de Samba. Mesmo nos dias de hoje, sem que suas componentes saibam ou percebam, o Orixá está na rua. Orixá vem atendendo ao chamado das Yawô's que dançam para ele no ritmo da batida dos couros da bateria.

Naquele distante Carnaval, quando as Baianas saíram pela primeira vez na avenida, o Carnaval tornou-se respeitado e visto com outros olhos. Era o orgulho e a força de uma raça desfilando pelas ruas na figura de suas sacerdotisas.

Ah, Bahianas! Cantem, girem, nunca deixem de existir...

 


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