Cores
e luzes, enfeitam a cidade, e na grande avenida o espaço está aberto
para que por lá passem o atavismo popular refeito em canto e dança, e
escorra a alegria represada durante um ano inteiro. Dos morros, por
entre barracos e vielas estreitas, salpicadas de poços e pobreza, vão
descendo damas engalanadas, nobres com chapéus de bicos emplumados e
peitinhos de renda cara, cavalheiros de ternos bem cortados, bengala e
chapéu-oco, baianas de imensas saias e jovens em mínimos trajes,
purpurinizados, deixando a mostra formas insuspeitas, contidas até a
véspera. Parece uma visão surrealista que vai tomando definição e
forma pouco a pouco. O estivador de ontem, hoje é um personagem vivo
que varou uma das páginas da nossa História. A lavadeira, de diálogo
íntimo com a bacia, a água e a bica, surge com elegância um figurino
que lhe redime a tristeza e o desconforto. E lá vão eles carregando o
destino comum de seu povo, e mais que isto, de ser guardião e
interprete desta criação do povo, nascida da necessidade de expressar
a variada gama de sentimentos, vividos e acumulados.
Pelos
elevadores dos bairros urbanos, vão descendo escravos, índios e
figuras de nossa mitologia mestiça, adornados com drapeados e contas
brilhantes, escondendo o cisudo gerente de empresa ou a conformada
funcionária pública. Vão todos, e eles também são povo, ao encontro
das descendências, sob o signo do mágico momento, contar cantando, na
grande avenida, fragmentos do imenso mosaico que vem sendo montado há
quase quatro séculos.
Verde,
vermelho e branco, verde e rosa, verde e branco, azul e branco e outras
combinações cromáticas juntam-se e intercruzam-se pela cidade inteira
em direação a concentração, lugar onde as escolas de samba se amram
e partem para o desfile que configura o instante maior, ansiosamente
esperado, para o qual nenhum esforço, nenhum sacrifício, é
suficientemente grande para não ser perdido ou feito. A emoção é
absoluta, total. São milhares de pessoas que vão realizar o milagre do
espetáculo sem ensaio.
O
autor do enredo, aquele que dá forma visual à escola, o carnavalesco,
ordena as alas, os destaques, as alegorias, de acordo com a sequência
do que ele pretende mostrar. A bateria já começa a tocar, esquentando
músculos e couros, os passistas tentam os primeiros passos, a porta
bandeira dá alguns giros testando o peso da fantasia e do mastro. De
repente, ali é o terreiro da Casa Grande, onde os congos dançavam; o
terreno em frente à Igreja onde os reis negros era coroados, o quintal
de uma tia baiana, onde os primeiros bambas começavam tudo.
Descendentes de senhores irascíveis, de feitores insensíveis e
escravos humilhados, aí estão com o coração pulsando na mesma batida
do surdo, sacramentando a entidade comum que o samba avaliza. É
possível que não se ouça, porque se sente, o grito que ecoa pelos
tempos afora.
Talvez
haja silêncio,
Mas
nunca tristeza,
Daqui
a pouco começa
Tudo
outra vez...
|