"Senti de repente a memória
queimar os caminhos, a chave perdi, e desde esse dia, sem nada me vi,
um cego exilado na beira do mar"
(trecho do Poema - Sagramorte)
Prefácio:
Desde o início de 2007, o escritor Ariano Suassuna, perdeu o que deveria ser o bem mais precioso para quem completou 80 anos de vida: o sossego. No meio da maratona de homenagens que acontece de Norte a Sul do pais, forçando Suassuna, que confessa detestar viajar de avião, a um périplo invejável, ele tem dito em tom de brincadeira, que, se soubesse que chegar aos 80 daria tanto trabalho, teria ficado nos 79. Mas o carinho e o entusiasmo demonstrados pelo enorme público do escritor, não apenas acariciam o ego como minimizam o cansaço. E por isso, Suassuna já anda pensando nos festejos dos 160..
E desta mesma forma, com muito humor, carinho, alegria e respeito que a Mancha Verde se rende, juntando-se aos festejos à este homem, refletindo a inegável importância daquele que é considerado a perfeita tradução da cultura popular brasileira, defensor apaixonado, radical e muitas vezes polêmico de uma arte genuinamente regional.
Assim, na grande novela da vida real, escrita em horários nobres, somos todos personagens, marionetes das leis que nos regem. E na maior festa popular do mundo...
Ariano Suassuna, hoje você é carnaval, onde neste universo as pessoas, tal como suas obras, ficam encantadas, pois a eternidade é o avesso do tempo.
E é desta maneira que o queremos.......................... encantado.
Parte 1
16 de junho de 1927. Nasce Ariano Suassuna, em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa. Viveu seus primeiros anos de vida no Sítio Acauhan, no sertão do estado da Paraíba. Aos três anos de idade (1930), Ariano passou por um dos momentos mais complicados de sua vida. João Suassuna, seu pai era assassinado no Rio de Janeiro, por motivos políticos, durante a Revolução de 1930, o que obrigou, sua mãe Cássia Vilar Suassuna a levar toda a família (Ariano mais 8 irmãos) a morar na cidade de Taperoá, no cariri paraibano.
Depois daqueles tiros, a história das oligarquias brasileiras ganharia novos contornos, as massas urbanas passariam a disputar seu lugar nos livros de histórias e começava a tomar curso uma das mais vertiginosas imaginações da literatura brasileira. Morria João Suassuna, nascia Ariano, tão comprometido com a selva sertaneja que lhe constituiria a memória enriquecida com a tradição ibérica que lhe corria no sangue.
Foi em Taperoá que Suassuna iniciou a mescla popular. Ali ele viu as primeiras peças de mamulengos (teatro de bonecos) e os desafios de viola – e erudito, que marcam sua obra.
“O Sertão da Paraíba foi uma experiência fundamental, principalmente porque tive infância marcada por acontecimentos fortes.”
Quando o circo chegava em Taperoá, o menino Ariano sentia “desencadear-se um estado de tensão poética” dentro dele. O circo, mais que simples lembrança de garoto, foi uma das portas da fantasia, algo que marca a sua estética.
Até hoje, o escritor, que já se definiu como um palhaço frustrado, preza muito este tipo de espetáculo.
Em 1942, já adolescente, Suassuna mudou para Recife, onde viu crescer seu interesse pelas artes plásticas, ao freqüentar a biblioteca do Ginásio Pernambucano e ao encontrar pintor Francisco Brennand. Sua formação cultural foi ampliada e se consolidou em 1946 na Faculdade de Direito, quando formou o grupo de Teatro de Estudantes de Pernambuco. No ano seguinte escreve sua primeira peça “A mulher vestida de sol”. Concluiu seu estudo superior em Direito (1950), e em Filosofia (1960).
Mulengos, era formado por um ato e se chamava “Torturas de um coração ou em boca fechada não entra mosquito”.
“- Até certa idade eu era travado, só escrevia tragédias. Depois que conheci Zélia..., alguma coisa desabou dentro de mim... Ela me abriu os olhos para o riso e alegria do mundo.”
Em 1955, escreve o “Auto da Compadecida”, sua obra mais popular. Em 1957, “O Santo e a porca” – considerado um clássico do teatro contemporâneo.
“É preciso merecer a graça da escrita. Não é qualquer vida que gera obra desse calibre.”
O comentário acima é de Carlos Drummond de Andrade sobre “A Pedra do Reino”, obra lançada em 1971, surpreendendo os meios literários. Esse livro é considerado um romance incompleto, pois até hoje as duas partes da trilogia não vieram a público, pelo menos em edições comerciais. Verdadeiro monumento literário liga-se à cultura cabloco-sertaneja nordestina, muito marcada pelas tradições do mundo ibérico (Portugal e Espanha), trazidas pelos primeiros colonizadores europeus e transformadas ao longo dos séculos.
Parafraseando seu narrador em “A Pedra do Reino”, Suassuna defende que o humor é a sua defesa contra o que a vida tem o sombrio.
“O riso a cavalo e o galope do sonho são duas armas de que disponho para enfrentar a dura, mas fascinante, tarefa de viver.”
Sem tempo para balanço de 80 anos, afirma ainda:
“Sou por natureza um sujeito animoso e bem-humorado”.
Nas chamadas três virtudes, diz que é fraco na fé, fraco na caridade e só lhe resta a esperança.
Parte 2
Ariano é um autor que bebe cristalinamente nas fontes da literatura ibérica e do catolicismo medieval. Para entender seu teatro, por exemplo, é preciso penetrar no universo picaresco e no catolicismo popular em que o Bem e o Mal disputam a alma humana e lhe ditam nortes éticos distintos.
Seu universo é o do homem do nordeste, da cultura sertaneja.
A forma de seus atos se deixa alterar pelo teatro de bonecos, pelo mamulengo.
Em 1970, cria o movimento Armorial, com o objetivo de valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro, uma estética nacional que rejeita contaminação com o que vem de fora. Em tal movimento, designa o conjunto de bandeiras, insígnias e brasões de um povo, resgatando as raízes populares da cultura brasileira para chegar a uma arte erudita.
Em 1976, defende sua tese de livre-docencia, intitulada “A onça castanha e a Ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura brasileira”
Ariano, tem na onça pintada o animal símbolo de todas as etnias no Brasil, onde a cor sólida é seu território e suas manchas a diversidade das raças.
O projeto Pernambuco-Brasil, lançado por ele no início do governo Miguel Arraes, consagra a estética Armorial em espetáculos de teatro, dança, música, pintura, gravura e tapeçaria. Surge o Grupo Romançal, que reúne músicos, atores e bailarinos responsáveis pelas aulas espetáculos criadas por Suassuna. Na mesma direção caminham outros grupos romançais que reivindicam um avanço em relação à herança Armorial.
Toma posse em 1990, na Academia Brasileira de Letras, na cadeira de número 32, e em 1993, foi eleito para a cadeira de número 18 da Academia Pernambucana de Letras.
Às pelejas intelectuais ao longo da vida, o autor, que jamais viajou ao exterior, tem sido vítima de uma espécie de patrulha cosmopolitana, que se manifesta pelo silencio.
A força do arcaico é justamente sua contínua presentificação e, consequentemente, sua capacidade de se eternizar. A arte genuinamente popular se baseia nesse pensamento. Para transformar o local em símbolo e universal, Ariano o decifrador de brasilidades, alia os valores mais arraigados de sua região a seu imenso arcabouço erudito e teórico. Com uma escrita que junta, a um só tempo, elementos do simbolismo, do barroco e da literatura de Cordel, esse ficcionista, poeta, dramaturgo e pensador da cultura, transforma o sertão no palco das questões humanas de qualquer lugar do mundo, trabalhando a favor da dignidade humana.
Torcedor do Sport Recife, ele é apaixonado por futebol aceita aplausos sem perder o equilíbrio, mas deixa no ar as marcas de sua originalidade.
Ariano de Taperoá, do Pernambuco, do Armorial, da Cultura Popular Brasileira, da MANCHA VERDE, do carnaval.
O processo da vida é lógico, sábio e inteligente, onde quem sabe mais, ensina a quem sabe menos, e os últimos a qualquer instante poderão ser os primeiros, é só acreditar.................... e nós acreditamos. Acreditamos que na pequena grande obra de nascer, crescer e viver................ quantas lições devemos ensinar e aprender, pois a vida é luz, beleza e cor. Então depende de cada um de nós torná-la bonita, fazendo de nossos semelhantes um companheiro, um amigo.
E juntos, Ariano, chegaremos lá.
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