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::.. SINOPSE DO ENREDO ..::
G.R.C.E.S. NENÊ DE VILA MATILDE - CARNAVAL 1997
Enredo: Narciso Negro

O Grêmio Recreativo
Autor: Roberto Telles de Souza

 

O que se relata é a saga do negro em relação ao Ocidente. De sua escravização após o rapto da África, até o início do resgate da auto-estima. O mito do Narciso grego é o suporte épico para ler todo o processo. Como se sabe, Narciso apaixonou-se pela beleza da própria imagem, ao mirar-se no espelho das águas e ali morreu transformando-se na flor que recebe o seu nome. A leitura que aqui se faz não é a mesma de Freud, que vê o narcisismo como um complexo psicológico de desequilíbrio. Trata-se sim, do resgate da dignidade subjugada, pois para se dominar uma raça o algoz quebra toda as reservas morais e de auto-respeito daqueles que se pretende dominar. Esse talvez seja o maior mal da escravidão, enquanto o processo mental e não como alguns pensam, que a injustiça reside nas algemas e nas correntes. É chegada a hora do negro colocar-se em todos os lugares e não na odiosa condição de "colocar-se em seu lugar".

No trabalho, na dança, na música, no esporte, enfim, em todos os campos a negritude se faz presente, dando mostras vivas de que o preconceito racial é influenciado. O preconceito é antes de tudo social, pois nega-se àqueles que constituíram a riqueza brasileira o respeito e sobretudo, gratidão. Sim, ingrato é o país que não reconhece o sustentáculo de sua maioria laboriosa, mas ainda segregada.

Nesse sentido, o enredo é uma leitura crítica da história da raça negra no Brasil. Todavia, ao invés de se mostrar o negro como escravo submisso e anônimo, mostra-se em sua real grandeza de trabalhador infatigável, inspirador da música e coreografia, senhor absoluto do espaço, na magia esportiva.

Narciso Negro trata o negro olhando para si mesmo, não como pária social na condição de encarcerado, vagabundo, malandro, vítima indefesa do cruel processo de exclusão social, mas, antes de tudo, o enredo apresenta uma visão alegre, crítica e humorada do negro, orgulhoso de seu passado, consciente de seu presente e otimista em relação a seu futuro.

Ao se olhar com dignidade e com orgulho, o negro resgata sua auto-imagem e se conscientiza de que a condição de oprimido não é só sua, mas de legiões intermináveis de seres anônimos, independente de coloração. Narciso Negro é uma história escrita pela espécie humana, ignorada por muitos, vergonhosa para uns poucos e proposta de esperança para uns outros tantos que almejam a construção de um mundo melhor e mais justo.

A Nenê tem o justificado orgulho de apresentar: NARCISO NEGRO

NARCISO NEGRO

"Mesmo depois de abolia a escravidão

Negro é a mão

De quem faz a limpeza

Lavando a roupa encardida

Esfregando o chão

Negra é a mão

É a mão da pureza

Negra é a vida

Consumida pelo fogão

Negra é a mão

Nos preparando a mesa

Limpando as manchas do mundo com água e sabão

Negra é a mão

De imaculada nobreza."

(Gilberto Gil)

As vozes de África emudecem quando a insaciável e faminta boca mercantilis... através de seus dentes rudes, dilaceraram a liberdade das savanas. Caçado e humilhado, o negro, jogado no porão da civilização européia, perdeu sua identidade. Era "preciso" destruir o orgulho dessa gente para poder dominá-los, domá-los e escravizá-los. Dos Orixás eclodiu o grito de uma raça. Resgatar a auto-estima, recuperar a própria imagem passou a ser o desafio. Não implorar por migalhas, mas reconquistar a essência aviltada, sem curvar-se diante do algoz passou a ser a grande adversidade. É no lado da cultura greco-romana, que o negro mutilado em sua dignidade, recupera a beleza de sua imagem interior, a exterioridade de seus traços singulares e a leveza genial de seus movimentos. Sublimação de morada, mas triunfal resgate do Narciso Negro.

O enredo é a saga do negro. Do seqüestro em massa - extraído da terra com raiz e tudo e até o reconhecimento parcial da dança, na música, na atividade física e lamentavelmente na humildade anônima da força de trabalho de uma nova nação. Infelizmente a imagem se reflete para uns poucos, mas deverá chegar o dia em que o reflexo se ampliará, envolvendo a muitos.

Que a passarela seja a vida e não só a avenida. Hoje um desfile, amanhã um processo vencedor. Hoje uma modéstia contribuição à reflexão. Amanhã o despertar de uma consciência crítica elaborada, ampla, total e irrestrita. Certamente o espelho das almas ganhará a vertical, num movimento de total resgate da negritude.

O trágico final do Narciso grego não serve como referencial explicativo para a trajetória da raça em direção à felicidade plena. Este é o mito do Narciso Negro.

Do engenho ao ouro, do café à musicalidade em comum, da prisão ao culto sincronizado dos movimentos corpóreos, timidamente o Narciso cristalizou-se Zumbi, Xica da Silva, Machado de Assis, Carlos Gomes, João Cândido, Milton Nascimento, Pelé, e outros tantos. O Narciso Negro não se curva neste lago de incertezas. Mira o futuro, enquanto desfila no presente e sobrevive aos grilhões de uma passado que não é seu, mas da ganância insaciável, que a tudo, implacavelmente devora.

Narciso Negro é pura reflexão sobre o orgulho de ser negro no espelho da fria lâmina de exploração humana.

 


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