SINOPSE
Quando D. Henrique
ordenou que suas caravelas partissem em busca de
cristãos e especiarias, estavam lançadas as sementes
da cultura de uma raça que floresceu em todo o
continente americano, principalmente no Brasil.
Com o decorrer dos
séculos, o contato entre brancos e negros não só
delineou, a geografia física e humana das Américas
como se constituiu na primeira tomada de consciência
da unidade do planeta.
1888 teve e tem ainda
razões de sobra para inquietar o Brasil de 1998.
Trazidos pelo vendo da História, os negros gozam de
"liberdade" há mais de um século, trabalham em
diferentes setores, produzem, enriquecem o país,
entretanto, por outro lado, são mal remunerados, têm
acesso difícil à instrução intelectual e apresentam
expectativa de vida menor quando comparados à média
da população.
Caminhando para o
final do século XX, o Brasil ruma ao terceiro
milênio com uma triste herança, marcada por uma
sociedade escravocrata com imensa dúvida social e,
com isso, reascende a discussão da participação e
dos direitos da raça negra.
MAMA ÁFRICA
O vencedor se ergue na
escuridão. O guerreiro conserva as raízes de sua
cultura. O espírito produz milagres de fé. O
semblante é alegre por natureza.
Isso é Ser Negro!
Ao contrário da
América onde a presença do homem é recente, a África
guarda vestígios de vida humana que datam cerca de
dois milhões de anos. Além disso, o continente
africano nunca esteve isolado: as populações
berberes e os califas da região norte participavam
do comércio mediterrâneo desde tempos imemoriais.
Estes impérios
situavam-se na região sudanesa, ao sul do Saara, um
dos mais importantes pólos comerciais da África.
Gana, o "Eldorado Negro", era o mais antigo deles e
seu desenvolvimento atingiu o auge no século VIII.
Naquele período funcionava como centro de trocas
entre o mundo norte-africano e as populações negras
das savanas carregadas de ouro em pó.
Em conflito
permanente, foram impérios efêmeros. Porém, todos
eles voltaram-se para a prática do comércio
transariano e asseguraram a progressiva difusão da
cultura muçulmana entre as populações da região do
Golfo da Guiné.
Ao sul das savanas
formaram-se os reinos Iorubá (Nagô) - cuja
população, trazida como escrava, introduziria o
candomblé no Brasil - e de Benim, famoso por seus
trabalhos em ferro e bronze. Ignorada pelo Ocidente,
a arte da África negra só passou a ser valorizada no
século XX, quando influenciou o movimento cubista na
Europa. Antes disso, ainda no século XV, quando o
infante Dom Henrique ordenou que suas caravelas
fossem levadas pelo vento à Guiné, em busca de
cristãos e especiarias, estavam lançadas as sementes
da gênese americana e brasileira.
Com o passar dos
séculos, o contato entre brancos e negros não
somente formou a geografia física e humana das
Américas, como se constituiu na primeira tomada de
consciência da unidade do planeta.
Caminhando para o
final do século XX, o Brasil ruma ao terceiro
milênio com uma triste herança marcada por uma
sociedade escravocrata com imensa dúvida social e,
com isso, reascende a discussão da participação e
dos direitos da raça negra.
Apesar do tamanho, a
população negra ainda é minoria em números
absolutos. Quando se analisa índices socioeconômico,
a verdade é mais cruel: de cada 10 brasileiros, 4
são negros e para cada 10 pobres temos 6 negros. Sob
o ponto de vista da economia convencional, a
explicação se apóia no fato de que os negros
entraram em um círculo vicioso, segundo o qual "são
pobres porque não estudam e não estudam porque são
pobres". O drama nacional da pobreza coloca no mesmo
barco brancos e negros, "quase negros e quase
brancos", como diria Caetano Veloso.
A música também já
mostrou o preconceito velado do povo brasileiro. Há
mais de 50 anos Lamartine Babo cantava "como a cor
não pega mulata, eu quero o seu amor". Mas a força
desta raça tem superado barreiras desde a assinatura
da Lei Áurea.
Se o ato abolicionista
significou uma felicidade momentânea, não se pode
falar o mesmo da alegria natural do negro, que paira
para além da História. A liberdade conquistada em
1888 tem sido reafirmada a cada dia, e como nos
ideais dos verdadeiros abolicionistas, a cada dia as
raízes desta cultura se traduzem na cultura
brasileira. O espírito guerreiro traz as raízes de
sua cultura e produz milagres de fé.
No Carnaval, a maior
festa do povo brasileiro, a democracia racial se
instala como que num instante ideal, produzindo o
que se desejou em 1888 e o que o espírito guerreiro
carrega e reivindica com força e alegria em 1998.