
Por volta de 1900, o carnaval paulistano já havia deixado para trás o entrudo com suas laranjinhas e limões de celuloide, seringas de diversos tamanhos no molha-molha constante pelas ruas principais. Vivia já o então chama- do "carnaval-moderno" introduzido por volta de 1860, com seus bailes de máscaras e a fantasia, realizados nos hotéis e teatros recém-construídos e em algumas chácaras particulares; contava com inúmeros e animados grupos, clubes e agremiações carnavalescas que aglutinavam principalmente comerciantes, funcionários públicos e algumas pessoas de projeção, popularmente chamadas de "figurões". Ocorria ainda a apresentação dos blocos de fantasiados como os famosos "Zuavos" que percorriam a cidade antes dos bailes.
As Manifestações Culturais dos Negros: 0 Samba Paulista
Aos primeiros anos do século corresponderam grandes transformações nas manifestações culturais que os negros e mulatos desenvolviam na cidade de São Paulo. Desapareceram aqueles que no passado aconteciam nos pátios das igrejas como a de São Bento, São Francisco e da Irmandade de Nossa Senhora dos Pretos do Rosário, onde tiveram lugar a dança do batuque com suas umbigadas características e as congadas e moçambiques, como igualmente desapareceram os festejos populares dos Pretos do Rosário demolidas sua antiga igreja e construções anexas.
Das festas que celebravam o dia de Santa Cruz, realizadas no dia 03 de maio, duas adquiriram especial feição: a da Liberdade, realizada nas imediações da Igreja dos Enforcados e a do Glicério, na antiga baixada, em um terreno baldio. Ambas contavam com a participação de negros e mulatos tanto da capital como do interior que, revezando-se nos instrumentos, principalmente os de percussão, como o bumbo e a zabumba, apresentavam o samba entre eles denominado samba de Pirapora ou samba campineiro.
Na passagem do dia 15 de agosto realizava-se no bairro do Bexiga animada festa em louvor a Nossa Senhora da Achiropita, padroeira do bairro e devoção dos italianos, que constituíam o grosso de sua população. Durante as comemorações, centralizadas na rua 13 de Maio, em frente à igreja e travessas próximas, ocorriam brincadeiras populares como o pau-de-sebo e o quebra-potes. A elas incorporavam-se as apresentações de negros e mulatos moradores do bairro unidos a outros tantos vindos de várias regiões da cidade; com seus instrumentos desenvolviam animada apresentação do samba que antigos participantes contam ser o "samba do bumbo" que, "corria sorto dia intêro".
Vários eram os núcleos espalhados pela cidade onde se podia encontrar companheiros, amigos antigos e tocar e dançar o samba.
0 samba que acontecia por essa época era chamado "samba campineiro ou samba de Pirapora", que conservava muito do samba antigo, o samba de bumbo em que prevalecia aquele instrumento de percussão. Daí a associação do instrumento ao próprio samba.
"Era feita uma roda, damas de um lado, centro o bumbo, caixinha e chocalho perto um tirava uma, ela saía, fazia a roda e tirava um que sala, fazia a roda, tirava uma e assim por diante".
Tudo entremeado de meneios e gingados que variavam porque cada um fazia sua dança conforme sabia. O samba antigo, o samba no bumbo era isso. O samba paulista era isso.
Mas as umbigadas sobreviveram pelo menos até a década de 30, mantidas que foram pelo "pessoal da pesada" da Gilette, como atesta o próprio Dionisio Barbosa:
"É hora de zum zum
Quem não pode com dois
Leva um!
É hora de zum zum
Quem não pode com dois
Leva um!
Conforme aquele saía, fazia o samba dele e vinha buscar outro, tirando na maior parte das vezes, com o umbigo".
Era a umbigada.
Quanto à palavra batuque, passou a ser sinônimo de samba, das danças em que aparecia o instrumento de percussão ou mesmo, ele próprio. Samba por sua vez, referia-se à própria umbigada, "semba" que o dançarino ou dançarina dava na pessoa de sua escolha.
Quanto a questão de procedência rural do samba paulista, desde a denominação do texto, o autor aceita-a de forma direta e sem considerandos. Esta posição em nada soa como dissonante, pois em nenhum momento produtores culturais expressivos, tanto dentre os já falecidos, como Dionisio Barbosa e Inocêncio "Mulata”, como os dentre ainda vivos, como o caso de Pé Rachado e Eunice do Lavapés.
Por volta de 1900 a 1930, tiveram excepcional importância alguns dentre eles, que logo nos primeiros anos aglutinaram-se em compactos grupos igualmente negros e mulatos, transformando suas casas em núcleos de atividades constantes. Nelas ocorriam sambas espontâneos, comemorações festivas principalmente do dia 13 de Maio e ali congregavam-se atividades de cunho religioso, como os preparativos para as romarias a Pirapora, o jongo e tambú, com "fundamento". Havia o distante terreiro do Zé Soldado, no Jabaquara, mais precisamente no Bosque da Saúde, porém a distância não impedia que congregasse um "batalhão" formado de moradores de vários bairros e como tal se apresentassem na Festa de Pirapora, nem que costumeiramente ali ocorresse samba de roda, ou samba campineiro, por ocasião de datas de maior significado para o grupo negro. A mesma coisa acontecia na casa da Tia 0límpia na Barra Funda, na Rua Anhanguera, perto da linha férrea, congregando sambistas famosos e ainda com Dionisio Barbosa igualmente na Barra Funda, primeiro na Rua Glette, depois na Rua Conselheiro Brotero. Já em 1930 tornou-se famosa a casa de Eunice do Lavapés que com Chico Pinga, aglutinava outros tantos sambistas.
Os Cordões Carnavalescos Paulistanos
Desde os primeiros anos do século expandiram se, extraordinariamente, as manifestações culturais desenvolvidas por grupos de negros e mulatos, na cidade de São Paulo, para o que contribuiu significativamente a gradativa utilização do período do carnaval. Os caiapós, um dos grupos mais antigos, que saiam durante o carnaval, fizeram suas últimas apresentações por volta de 1904/1905, e foram por assim dizer, substituídos pelos blocos sujos, que se autodenominavam de: "esfarrapados" e "remendados", e reunindo cinco a seis pessoas que iam as ruas dos bairros, ganhando novos adeptos de' anos para ano. Alguns ficaram famosos, como o Grupo dos Teimosos, no Bexiga e o Bloco dos Boêmios, na Barra Funda, que logo depois se transformaria em cordão famosos. Consistiam, ainda em uma alegre aglutinação de pessoas, sem outro compromisso, que não o da diversão.
Dionisio, que estava de solta à São Paulo, ' na mesma Barra Funda, fundou com seus companheiros de jogo de malho, uns 6 ou 8 rapazes, dentre os quais um irmão, Luiz Barbosa e um cunhado, Cornélio Aires, o Grupo Carnavalesco '' Barra Funda. De qualquer jeito, sem roupa caprichada, nem na- da, lá se foram para as ruas do bairro, a Barra Funda, cantando música própria feita pelo grupo, levando instrumento, pandeiro e o chocalho feito de tampinhas de garrafa de cerveja, fazendo o chic, tchic, tchic.
Era o carnaval de 1914, dia 12 de março, nascia o primeiro cordão carnavalesco paulistano.
Instrumentos foram acrescentados, a "surdinha", uma caixa remendada, até que em 1920, ano de grande desenvolvimento, tinham já sua orquestra: Sirvano do Tietê e seu saxofone muito velho e remendado, João do Bandolim, Capistrano no trombone, Márcio, Mário Jandiro e Vito nos cavaquinhos, um clarinete. Dionisio Barbosa tocando seu pandeiro e, mais importante, o surdo, o bumbão nas mãos de Marcelo Roque, que comandava lá de trás, toda a bateria. Os oito ou doze participantes iniciais passaram a vinte e, no auge em 1920, eram sessenta, todos homens, sendo que no começo alguns se travestiam.
Na formação do cordão, Dionisio Barbosa valeu-se do que vira no Rio de Janeiro: o mestre-sala e o porta-bandeira, foram figuras tiradas do rancho de Reis do pastoril, do qual participara ainda no Rio; a ideia de baliza ocorreu-lhe ao relembrar o desempenho do baliza do batalhão naval 53, e ensinou a vários companheiros como, Bagico e Cara Torta, como deviam fazer.
0 percurso era feito a pé por toda Barra Funda, Avenida São João, subindo a Avenida Angelica até a Avenida Paulista, descendo pela Avenida Brig. Luiz Antônio até 0 Largo São Francisco, Rua São Bento, o Triângulo e finalmente Praça do Patriarca. Por todo percurso haviam espectadores mais era na Praça do Patriarca, que havia maior concentração de pessoas e ali havia uma exibição especial do cordão.
Depois o grupo voltava com a mesma organização, passava pelo Correio, faziam uma parada para as mocinhas tomarem guaraná, subiam a Avenida São Joao e chegavam festivos à sede na Barra Funda, a Rua Conselheiro Brotero, casa de Dionisio Barbosa e depois na Rua Vitorino Camilo, no mesmo bairro.
Quanto ao ritmo que animava o cordão, tratava-se de "marchas sambadas" que nada tinham a ver com o "marcha-soldado"; durante as paradas para exibição tocavam sambas e choros, mas mesmo nessa hora, apareciam sempre uma caixa e um surdo. As músicas cantadas eram sempre de autoria de compositores pertencentes ao próprio cordão e mais frequente mente de produção coletiva: Dionisio Barbosa, João Brás, Feijó (Jair Bento Ferreira) e Vitor. Com o crescimento do Camisa Verde, os instrumentistas já eram todos músicos, embora fosse outra sua ocupação profissional.
0 Camisa Verde, ainda enquanto Grupo Carnavalesco Barra Funda, conviveu com vários outros cordões, dos quais o mais importante foi o Grupo Carnavalesco Campos Elísios, originário do Bloco dos Boêmios, e que teve o mesmo Celso Vanderlei, do tempo dos Boêmios, como principal articulador, um funcionário da Companhia Telefônica, destacando-se dentre outros fundadores, Alcides Marcondes e José Euclides dos Santos.
Saiu a primeira vez em 1917, já com suas cores, na Camisa Roxa e na calça branca, com um grupo de aproximadamente 50 pessoas. Um de seus pontos altos consistia nos instrumentos com o predomínio de instrumentos de "coro", ou seja, de percussão, as vezes em número superior a 10: caixas, surdos e bumbos de todos os tamanhos. A eles se juntavam o grupo de choro, o chamado conjunto choro, com trombone, o clarinete, o violão, banjos, chocalhos, pratos, prato com baqueta.
No final da década de 20, no ano de 1930 surgiu do outro lado da cidade, no Bexiga, 0 Cordão Esportivo Carnavalesco Vai-Vai, o primeiro a ser criado com a denominação de cordão, fundado por Frederico Penteado, Dona Iracema, Tino, Guariba, Dona Sinha e muitos outros. Embora contasse c/ a população negra e mulata muito menor do que a Barra Funda, esta era muito expressiva; suas inúmeras várzeas favoreciam os jogos de futebol, uma constante no bairro, contando com timos jogadores, todos animados com a perspectiva de um dia chegarem a ser contratadas pelo Corinthians Paulista, o que de fato veio a ocorrer anos mais tarde.
A rivalidade entre os grupos de jogadores contribuiu ao lado de outros fatores para a criação de clubes de futebol. Ha o aparecimento do Cai-Cai, com sede na Rua Marques Leão, logo segue-se o do Vai-Vai, na mesma rua, tendo este último originado o cordão carnavalesco.
Os "desprezados" da Barra Funda, dirigido pelo Neco, em 1921. As mulheres que participavam desde aquela data, estavam presentes. Na frente abrindo o cortejo, vinha a porta-estandarte, seguida de uma comissão, situada entre as fileiras laterais e no meio a porta-bandeira.
As músicas cantadas durante a apresentação do cordão eram dos compositores do grupo como Tino, Guariba e mais tarde Henricão admirados entre os sambistas.
Os instrumentistas, com menor participação de elementos de "choro", eram na sua maioria de instrumentos de "coro", a caixa, rufo, prato, chocalho e uma característica do Vai-Vai, a caixa carioca, que vinham na frente dos bumbos enormes, sempre mais de um. A introdução dessa caixa carioca produzia um som semelhante ao repique dos tempos modernos e segundo Pé Rachado, antigo participante e um dos importantes elementos do Vai-Vai, foi introduzido em São Paulo e só depois adotada no Rio de Janeiro.
0 Vai-Vai caracterizou-se desde o começo como uma das mais fortes aglutinações de negros e mulatos da cidade, estabelecendo a mesma legenda de "território livre" desenvolvida nas proximidades do Largo da Banana, na Barra Funda, durante as primeiras décadas e provavelmente até a instalação do Estado Novo.
Durante os anos 20, proliferaram os cordões carnavalescos; surgiam de ex-blocos de esfarrapados, alguns desenvolviam-se, outros não, fundiam-se ou desapareciam, sobreviviam, transformavam-se. Assim ocorreu com o Bando das Estrelas, Os desprezados, As caprichosas, Paulistano da Gloria e muitos outros.
Os mais importantes contudo, durante o período de 1900 a 1930, foram sem dúvida, Camisa Verde, Campos Elísios e Vai-Vai.
DADOS SOBRE O CAMISA VERDE E BRANCO
Em 1912, Dionízio volta do Rio para São Paulo junto com Luis Barbosa, Cornélio Aires, funda o Grupo Carnavalesco Barra Funda, saindo pelas ruas do bairro, batendo seu pandeiro e chocalhos feitos de tampinhas de cerveja. Era o Carnaval de 1914, dia 12 de março. Nascia o primeiro cordão carnavalesco paulistano.
Era assim constituída a bateria do cordão:
- Sirvano do Tietê - saxofone
- João do Bandolin
- Campista - trombone
- Márcio, Mário Jandiro e Vito - cavaquinho
- Sem dados - clarinete
Dionizio, tocando seu pandeiro e o mais importante, o surdo, o bumbão, nas mãos de Marcelo Roque, que comandava lá de trás, toda a bateria.
Relembrando do desempenho do baliza, do batalhão naval 53 Dionizio ensinou vários companheiros como deveriam fazer, entre eles Bajico e Caratorta.
PERCURSO DO CAMISA VERDE E BRANCO EM 1914
- Toda a Barra Funda - Av. São João, Av. Angélica Av. Paulista, Av. Brig. Luiz Antônio, Largo São Francisco, Rua São Bento. Triângulo, Praça Patriarca, onde davam uma exibição especial do cordão.
- Saindo da Praça Patriarca, desciam à Avenida São João, até a Barra Funda, pela Rua Conselheiro Brotero, sede do cordão.
- Com a liderança dos mais novos, como Inocêncio' Tobias e outros o cordão Camisa Verde e Branco, passou a fazer festa na cidade, até hoje.
DADOS SOBRE O VAI-VAI
Em 1930, surgiu no Bexiga, o Cordão Esportivo Carnavalesco VAI-VAI, fundado por FREDERICO PENTEADO, DONA IRACEMA, TINTO, GUARIBA, DONA SINHA e muitos outros.
Adotando as cores Preto e Branco, o VAI-VAI, saiu no seu primeiro ano, com o tema "MARINHEIROS", saindo da casa de BENEDITO SARDINHA.
0 estandarte já vinha carregado por mulher, conforme havia feito o cordão "OS DESPREZADOS" da Barra Funda, dirigido pelo NECO, em 1921.
Na década de 30, o VAI-VAI, introduziu personagens da corte, nos seus desfiles, com figuras de RAINHAS E DAMAS. Dona Olímpia, foi na VAI-VAI, a Dama de Negro, uma das primeiras figurantes femininas.
Pé Rachado, cita que a caixa Carioca, com o som do moderno repinique, que depois passou para o Rio e voltou para São Paulo, como outro instrumento novo lançado pelos cariocas. Durante os anos 20, proliferaram os cordões e blocos pela cidade, como o Bando das Estrelas, Os Desprezados, As Caprichosas, Paulistano da Glória e muitos outros.
Os mais importantes, contudo, durante o período de 1900 a 1930, foram sem dúvida, o CAMISA VERDE E BRANCO, CAMPOS ELISIOS e VAI-VAI.
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