
RUGEM OS TAMBORES, cantam as cuícas, vibram os tamborins envolvendo inteira e emocionadamente nosso corpo e, irmanados à contagiante alegria, agasalha nossa alma romântica como a saudade; o sério, vigoroso e dominador surdo, alavanca do sucesso, marca o agradável e imprescindível ritmo, auxiliado magnífica e eficientemente pelos repiniques. A cadência dos passos absolutamente certos, doutrinados e equilibrados pelos agogôs, pelas caixas e chocalhos; o balanço irresistível e indomável que baila orgulhosamente/ pelo espaço, cruza as fronteiras do pessimismo, do ceticismo, e como se fosse um possante mongagá, toma conta do país inteiro.
Iluminado pelo brilho da noite, resplandece o rosto cansado do Diretor; ele refulge e cintila com seu notável espírito de classe, maravilhoso coleguismo, admirável senso de responsabilidade, inflamada coragem e desapego à sua saúde, à própria vida!... Com o estridente e incessante apito, todavia melódico e compassado, - o incansável ditador de ordens claras e inquestionáveis -, ele dirige com conhecimento e segurança aquela massa humana, aquela gente imbuída do desejo de mostrar qualidade; o digno, mas irrefreável anseio de vitória consagradora...
Milhares de bocas se abrem e lançam brasas vivas, mas harmoniosas pelo ar: os acordes melodiosos do belo hino!... Sim, do verdadeiro hino, do inconfundível hino... Do admirável hino, pois o SAMIA contagiante, molemolente, buliçoso, irreprimível, é um hino!... O único e insuperável hino daquele pedacinho de felicidade que se chama CARNAVAL!...
O hino que arrebata e arrasta multidões, que empurra à frente o corpo já combalido e sem forças; que, emprestando-lhe o esplendido vigor de um gigante dimensiona-lhe a esperança de ganhar uma quimera: a oportunidade de alcançar o topo da montanha; a almejada, sonhada e eterna glória de um momento. A real glória da ginga e do bamboleio, do cantar e do dançar, do pular e do saracoteio que corre pelas veias irmanado ao nosso sangue; da premiação do labor fecundo de- dicado diuturnamente durante um ano inteiro de sonhos e de fantasias, de dedicação e de disposição, de arrojo e de coragem, de sacrifícios/ e de tenacidade...
A glória buscada, arrancada com todas as forças, com todo o calor que existe em nossos corações e com toda a esperança que mais fortalece nossas almas; gloria de um instante, mas que dura um ano inteiro, a vida inteira!... Glória que enaltece, que exalta e que nos levanta como a vitória do nosso tire de futebol preferido, mas que, também, e em quantas ocasiões nos entristece!...
Mil corações explodem dentro de peitos nus ao vento, lar gos pela vontade de vencer, fortes pelo desejo ardente e incontido de brilhar, altruísta pelo trabalho desprendido e abnegado, incansáveis e invencíveis pelo amor!...
Amor que abriga e fortalece o culto da amizade e da veneração, que treina e discute infatigável e apaixonadamente; que concorda, que apara arestas, que sorri, que chora, que tem ânimo para enfrentar o peso das adversidades posicionadas à sua frente!
Eis aí, o CARNAVAL!...
O CARNAVAL BRASILEIRO, que lança aos céus todo o seu ar- dor, sua pujança, sua alegria, seu drama e seu... SAMBA!...
Samba inconfundível!...
O nosso, somente nosso e para sempre nosso SAMBA!...
O samba de mil garras, de milhões de laços indesatáveis e irremovíveis que, dando volta ao mundo, prende irresistivelmente outras vidas, outros sentimentos, outras vontades, outras religiões, outros costumes...
O samba que irmana, que torna almas diferentes em gêmeas siamesas...
O samba que agita, que iguala raças, que nivela posições sociais, que faz rir e chorar de contentamento, que emociona, que eleva os corações bondosos e que amaina os empedernidos; que vence as alturas do universo com sua melodia cadenciada e empolgante, que acolhe em seus braços generosos, crenças, devoção e virtudes...
Samba e Carnaval!
Irmãos xipófagos, inseparáveis, frutos da vontade indestrutível, da esperança, do amor, da lembrança, do carinho, da alegria, da confiança, da lágrima e da piedade que ameniza as duras linhas de um rosto insensível...
Samba e Carnaval!
O CARNAVAL BRASILEIRO, moreno, querido, jeitoso, complacente, infatigável, que é somente nosso, mas que, entretanto, não nos negamos em reparti-lo com quem quer que seja; com todos aqueles que desejarem deglutir uma fatia desse doce gostoso, desse inigualável e infindável bolo artístico...
Desse rei cuja coroa perene dura apenas três dias, mas que é guardada para sempre no cofre sagrado dos nossos corações, + protegida pela saudade, pela lembrança e pelo carinho; as três gemas preciosas mais lindas, perfeitas e cintilantes da nossa mãe natureza...
Samba e Carnaval!
O CARNAVAL BRASILEIRO, escrito em letras MAIUSCULAS!...
O Carnaval... um sonho!... Um belo e romântico sonho quase real, que complementa, que prodigaliza e que ameniza o calor árido do espinho, que enxuga lágrimas sentidas derramadas no trans correr do ano que findou e que faz renascer a esperança...
Um lindo sonho que nasce dentro da alma para jorrar dos nossos corações...
CARNAVAL
Esta palavra tem sua etimologia derivada do "CARRUM NOVALIS" com a qual os romanos abriam seus festejos.
Entretanto, na definição de Litré, de Adolfo Coelho e de C. Cascudo, carnaval é um adeus à carne - "CARNE E VALE", a ilusão ao dia que antecede o início da abstinência na Quarta-Feira de Cinzas.
Na antiguidade, os diferentes povos já sentiam necessidade de instituir festejos alegres e estimulantes.
Entre os egípcios, eram notáveis as festas dedica- das a ISIS e ao BOI APIS; entre os hebreus, a empolgante festa das sortes.
Os gregos propiciavam as "BACHANAES"; em Roma, as "LUPERCAES" e as "SATURNAES", festins com músicas estridentes acompanhadas de danças estimulantes cujos participantes sempre usavam (ou se valiam) de disfarces apesar da grande liberalidade por parte das autoridades governamentais.
Os gauleses proporcionavam festas análogas, especialmente a grande festividade de inverno: a colheita do visgo. Todavia, depois de conquistados, seus usos e costumes confundiam se com os dos seus conquistadores: os romanos.
A grande necessidade de expansão, esta súbita e passageira explosão de alegre folia, agradavam tanto ao homem (povo) como à Igreja, que, depois do advento do cristianismo, não tentou se opor ao seu acontecimento.
Pelo contrário, procurou dar uma demonstração total de inocência à essa imperiosa necessidade da natureza humana, quer instituindo festas litúrgicas, quer tomando a direção de outras festividades com estilos e comemorações, os mais variados.
A parte do ano consagrada à celebração das festividades (denominadas pagãs) - foi adotada pelos cristãos, cujo carnaval começava primitivamente, em 25 de dezembro, compreendendo as festividades de Natal, Ano Bom e Dia da Epifania, ou Dia de Reis. Tanto no antigo como no novo mundo, sempre houve uma suposição de igualdade entre as pessoas quando da realização de jogos, festins, danças etc.
A corte de Carlos "VI" (França) inovando o carnaval, criou os "bailes de máscaras" - (e foi justamente num desses bailes que esse rei foi assassinado quando se apresentava fantasiado de urso).
O CARNAVAL BRASILEIRO
O carnaval brasileiro, por incrível que possa parecer, começou a ganhar fisionomia própria e suas atuais caraterísticas, em fins do século XIX e inícios do século XX, época em que, ao contrário, principiava a declinar, ser esquecido ou mesmo menosprezado na Europa, onde se reduzia a uma pequena celebração ordeira, absolutamente sem graça, de caráter artístico com bailes de máscaras e desfiles alegóricos.
Atualmente, ainda são dessa forma as comemorações dos carnavais de Nice, de Veneza, de Colônia, de Nápoles e de Florença. Acresce notar que as festividades carnavalescas dos países latinos da América Central, apesar de bem animado, tem suas características próprias, com grande influência dos índios naturais dos negros oriundos da África, mesclada com o gosto espanhol. Distancia-se sobremaneira do carnaval brasileiro.
No Brasil Colônia e no Império, predominou um artefato originalíssimo, alegre e hilariante denominado "ENTRUDO", ideia importada de Portugal.
Essa brincadeira consistia na fabricação e uso de água perfumada obtida de limões de cheiro, seringas e bisnagas, estas com formato de bomba de inseticida (precursora do atual lança-perfume) datando as primeiras bisnagas de metal, de 1885.
Sucessivos alvarás e editais das autoridades, no Rio de Janeiro, São Paulo e na Bahia, sobretudo, foram cerceando o uso do "ENTRUDO" por ser grosseiro e gerador de inúmeros conflitos nas ruas.
Muitos carnavalescos se enfureciam com os banhos de água perfumada. Uma ordem do Prefeito Pereira Passos, em 1904, o proibiu definitivamente.
Com o aparecimento do CONGRESSO DAS SUMIDADES CARNAVALESCAS em 1885, iniciaram-se os desfiles de sociedades, concorrendo com outras sociedades congêneres, tais como a União Veneziana, Euterpe Comercial e a dos Suavos, destes surgindo os atuais Tenentes do Diabo.
Nessa época já se intensificavam nos clubes, nos teatros, nos hotéis e agremiações, os bailes de máscaras, dos quais o primeiro foi, sem dúvida, o promovido pela atriz Italiana Clara Delmastro, om 1840, no Hotel Itália, Largo do Rosário, atual Cinema São José.
Em 1900, o primeiro baile do gênero em Copacabana e, em 1908, inaugura-se o "High Life".
Predominavam nesses bailes as polcas, valsas, tangos, quadrilhas e o norte-americano "cakewalk".
A partir de 1900, surgiram, nas ruas e nos préstitos as canções que comentavam acontecimentos da época, como no carro alegórico "O FIM DO MUNDO", sátira à notícia divulgada pelo astrônomo Rodolfo Falb de que haveria um choque do Cometa Biela com a Terra; crítica ao Imposto do Selo (1903) numa paródia da polca Vem Cá Mulata, a catástrofe do Aquidabã; o assassinato de Moreira César etc.
As chamadas "ESCOLAS DE SAMBA" com suas características atuais surgiram em 1928, com a "DEIXA FALAR", oficializando o seu desfile om 1937, já que uma lei do Prefeito Pedro Ernesto em 1932, apenas cogitava em concursos de músicas carnavalescas, das batalhas de confete e do corso de automóveis.
O corso de automóveis desapareceu ante as dificuldades do trânsito e a quase total abolição dos carros abertos.
Não podemos deixar de citar dentro deste histórico a tradicional figura do nosso querido Zé Pereira.
A PARTIR DE 1.937 é que se conseguiu com esforço, suor e lágrimas de um povo prenhe de problemas nascidos de suas esperanças frustradas, chegar a essa maravilha empanada de sangue forte, de coragem, de sublime anseio, de notável abnegação e desprendimento, de amor e carinho chamada pomposa, festiva e merecidamente: ES COLA DE SAMBA!
E indescritível o esplendor, o ela e a empolgação que se sente e se vê nas avenidas quando do seu triunfal desfile. Sejam elas pequenas ou grandes, transportam todas um coração pujante, nobre, formidável e, por que não dizê-lo, patriota; um coração enorme que causa inveja a todos aqueles que não têm a felicidade de trazê-lo dentro de seus próprios peitos.
As avenidas resplandecem, as gargantas se juntam a fim de, alegre, romântica e emocionadamente, cantar a uma só voz o SAMBA ENREDO com que elas brindam um povo inteiro...
Uma guerra!
Sim, uma guerra contra o impossível!...
Uma guerra onde o irrealizável é totalmente dizimado, onde suas correntes de aço puro são arrebentadas como se fossem bolhas de sabão brincando pelo ar...
Uma guerra de boa vontade, de alegria, de esperança, de triunfo... Uma guerra na qual se ganha ou se perde a glória de receber os idolatrados prêmios; medalhas morais que, fossem elas de ouro puro e cravejadas de brilhantes e esmeraldas, não conseguiriam nunca, jamais, em tempo algum, indenizar o mar de suor e lágrimas derramado em emocionante êxtase pela avenida...
Todos um só corpo, uma só alma, um só sentimento: o de proporcionar ao povo que os assiste a beleza emanada desse mesmo povo que, apesar de sofrido e judiado, torna-se maior do que a sua própria fantasia, maior do que as realizações do Prometeu...
Todos um só coração, humilde, terna e eternamente agradecido aos aplausos dirigidos diretamente ao seu incomparável sacrifício...
Todos um só coração que agasalha um sonho bom: a gratificante alegria de saber que foi consagrado, que foi classificado na escala do mérito, do dever cumprido, do trabalho realizado, do sorriso do amanhã cheinho de amor, qual um balaio repleto de rosas e de farnéis de mel...
Um lindo e resplendente manto translúcido, polvilhado de pó de carinho e que muito breve se chamará saudade!...
AO DESFILAR a Escola, ouve-se um grito...
Um grito uno, grudado ao coração que se expande na forma de SAMBA!
Cada dirigente, cada organizador, cada componente, cada soldado da ESCOLA DE SAMBA que desfila, só tem um pensamento, um desejo, uma vontade, um sonho que, paradoxalmente, não para ele... Suas preces ansiosas são para a sua adorada escola, par que ela continue sempre refulgindo; para que seja a rainha do carnaval, a vencedora, a condecorada, a que irá carregar no peito as medalhas que ele mesmo jamais conseguirá levar para a sua casa, para o seu barraco, para o seu quarto de aluguel, para a sua pensão ou para a sua mansão...
O prêmio foi por ele conseguido, alcançado, mas não é dele... É da sua amada Escola de Samba!... Dos seus amigos, dos seus companheiros, da vida... do tempo...
Todavia, ele se apossou de uma fantasia no presente que se prolongara pelo futuro... Para todo o sempre!...
CARNAVAL!... UM SONHO A MAIS!...
Uma realização feliz que se aguarda ansiosa, terna e esperançosamente... Onde a vitamina que revive e fortalece o resplendor da alma se chama vontade férrea, vontade de aço, fundida e mol- dada pelo coração e pela esperança...
Milhares de brasileiros aguardam uma oportunidade de senão de participar do desfile, pelo menos de assisti-lo festivamente, ou então, ler nos jornais e revistas a glorificação de uma ideia, de uma imagem, de um trocar de opiniões, de um trabalho insano, de uma coragem extraordinária, de um desprendimento incomparável, de um sonho...
Uma avenida... Uma passarela... Um desfile... Um sonho realizado... Uma esperança a mais... Uma fantasia que se transformou em verdade, pelo menos dentro do espaço infinito de um só momento...
Três dias e três noites enfeitados pelo destino...
Um carnaval onde as asperezas da vida, o sol causticante, a chuva malvada, as doenças, a cachaça do cotidiano, a cervejinha gelada que espanca o calor, todos são esquecidos, superados, pois um poder infinitamente maior se alevantou: a glória exótica, porém excelsa de desfilar pela avenida perante um público consagrador!... E o céu que se rompe com o estrondo de um raio para receber todo a- quele ardor!...
Um carnaval que jamais se extingue... Um carnaval que jamais se apaga da retina e da mente... Um carnaval com grandes e sem nenhuma consequência... Um CARNAVAL que nada mais é do que UM SONIO A MAIS!...
Um sonho que lhe dará ânimo e coragem para enfrentar o amanhã... 0 futuro desconhecido... O desanimo... A longa estrada da vida... O peso infernal das necessidades e das vicissitudes...
Un sonho a mais!...
Sonha-se sempre com as maravilhas que a vida possa ou não nos proporcionar... Possa ou não nos ensejar... Sonhos difíceis de serem simplesmente descritos, quiçá realizados...
Talvez, sonhando, dentro da possibilidade de se realizar o impossível, venhamos conseguir realizar um voo à frente, no tempo e no espaço... Um carnaval do futuro!... Um carnaval inimaginável, exuberante, vivo, intenso, realmente estupendo e do qual jamais se participou...
Uma avenida mágica... Uma passarela deslumbrante e fantástica... Uma Escola de Samba onde o participante se vê como o grande vencedor!... As demais, apesar do brilho que ele mesmo faz questão de exaltar, de aplaudir, de exultar, de elogiar, não chega a ter o de sua sombra...
Uma Escola de Samba em que seus destaques são transformados em joias vivas; carros em forma de naves espaciais, poderosas e ofuscantes; onde se flutua pelo ar com a graça de um majestoso, suave e elegante albatroz...
Um quadro que permanecera eternamente vivo na retina de todos os felizes e privilegiados assistentes, pois tiveram a oportunidade de cantar com o coro das lindas e fulgurantes baianas, sempre preciosas e atuantes...
Uma bateria de ouro desfilando pela avenida forrada inteiramente de brilhantes e iluminada por uma lua carinhosa...
Talvez, nessa ocasião, as estrelinhas, com i veja da lua, redobrassem o seu intermitente pisca-pisca a fim da se igualar em luz e beleza, àquela que, de há muito, se tornou a emas apaixonados...
Carnaval, um sonho a mais...
Um sonho onde o mar azul com suas rendilhadas ondas, ao debruçar-se para beijar a praia, alimenta com sua voz magnífica o som das heroicas baterias...
Um sonho a mais!...
Um sonho de pássaros emplumados e multicores fazendo coro ao pujante surdo...
Fantasias encomendadas aos Fados e colecionadas pelos gênios das garrafas e das lâmpadas de Bagdá...
Um corolário de desejos, um relicário de anseios, uma corrente tão poderosa quanto o nosso Rio Amazonas, a encantar espectadores e desfilantes... Todos unidos por um só desejo: o de brilhar para alegria e felicidade de todos!...
Cegos vendo... Surdos ouvindo... Mudos cantando, acompanhando dentro de encantada cadência, o samba envolvente que transforma em alegria as tristezas passadas...
Um sonho a mais!...
Talvez seja possível, ainda, retornar-se ao passado, aos antigos carnavais para, com o poderio de um Fado, trazê-los à nossa época...
Sim... O Carnaval nos autoriza a sonhar!...
Um sonho bom...
Um sonho que carrega consigo tudo aquilo que jamais teríamos oportunidade de esperar da vida...
Um sonho que oportuna esperança e... AMOR!
Um sonho que nos leva a gritar alegre e carinhosamente:
- VIVA O CARNAVALI...
- VIVA O CARNAVALI...
Um sonho que se realiza dentro de uma quimera, ocupando inteiramente o infinito espaço de um instante...
CARNAVAL... UM SONHO A MAIS!...
|