“Os negros e os mulatos que tem suas vidas amarradas ao mar tem sido a minha mais permanente inspiração. Não sei de drama mais poderoso do que o das mulheres que esperam a sua volta, sempre incerta, dos maridos que partem todas as manhãs para o mar no bojo dos leves saveiros ou das milagrosas jangadas... Tratei desses temas porque nada mais sou do que um homem do mar, do cais da Bahia, devoto de Iemanjá, certo também de que todos nós estamos em suas mãos, rogando-lhe que não me envie os ventos da tempestade em tempos de pesca e que seja de bonança o mar da minha vida.”
Dorival Caymmi, na introdução de Cancioneiro da Bahia.
O Grêmio Recreativo Cultural e Social Unidos de Santa Bárbara, vem com seus melhores ventos soprar em águas musicais da criatividade baiana para apresentar o Carnaval de 2014 intitulado “Minha Jangada vai sair pro Mar, vou festejar o Centenário de Dorival Caymmi – Alodê, Yemanjá, Oyá”.
Ao contrário de ventos revoltosos que sopram para temor dos pescadores e navegantes, nossa Tempestade do Samba vai se banhar em águas límpidas das composições geniais e homenagear um dos maiores artistas do Brasil que neste ano de 2014 completaria Cem anos de vida.
Eterno cantor, marítimo, poético e apaixonado pela vida, Dorival Caymmi, oferece seu rico repertório a todo o povo apaixonado pelo samba através da garra e da alegria da Comunidade do Itaim Paulista, filhos de Oyá Cirã (Mãe Helena) que este ano também festeja os 25 anos de sua Agremiação, UNIDOS DE SANTA BÁRBARA.
Sob as águas de Yemanjá, e sob as bênçãos de Iansã, vamos desfilar todo o universo baiano, com seus casarios antigos de Salvador, seus coqueiros de Itapuã, sua fé, suas festas de rua, seu Candomblé, suas igrejas, seus pescadores, jangadeiros e com o tabuleiro da baiana cheio de seus quitutes, descendo a ladeira rumo a mais um maravilhoso desfile, mostrando o que é que a baiana tem e afirmando que quem não gosta de samba bom sujeito não é.
A vida artística de Caymmi é cantada em tópicos e referencias de composições que marcaram suas trajetórias mais importantes, entrelaçando música e vida real, como a sua partida num ITA, rumo ao Rio de Janeiro,( que mais tarde virou canção) onde ergueu e consolidou sua carreira, viveu feliz e criativamente até seus últimos dias.
Dorival Caymmi foi e é a voz musical do homem simples do mar. O trabalhador braçal das grandes e pequenas embarcações. O sul do Brasil (termo muito usado na época) reconheceu sua obra toda bordada com redes de pesca e cercada de nomes femininos hora sensuais, hora apaixonadas, hora aflitas pela volta de seu amor do mar. Com seus sambas de roda ou sambas canção eterniza enfim uma obra agora centenária, mas que prossegue viva enquanto se ouvir o barulho das ondas quebrando nas praias de qualquer litoral do mundo.
Para o poeta sublime, em preto vermelho azul e branco a nossa família Santa Bárbara, um amor sem limites de raro prazer, canta e samba DORIVAL CAYMMI.
Dorival Caymmi nasceu em Salvador no dia 30 de abril de 1914 e foi um cantor compositor, violonista, pintor e ator brasileiro de grande expressão em nome da cultura praieira da Bahia para o Mundo. Compôs inspirado pelos hábitos, costumes e tradições do povo baiano. Tendo como forte influencia a música negra, desenvolveu um estilo pessoal de compor e cantar, demonstrando espontaneidade nos versos, sensualidade e riqueza melódica. Cantou ricamente a vida dos pescadores, jangadeiros, devotos de iemanjá, vendeiras baianas, a vida cotidiana do povo baiano, assim como suas festas mais tradicionais religiosas e até folclóricas.
Filho de Durval Henrique Caymmi e Aurelina Soares Caymmi, foi casado com Stela Maris, uma cantora a qual se apaixonou em primeiras vistas e com quem teve três filhos, Danilo, Dori e Nana Caymmi, uma família totalmente musical.
Caymmi era descendente de italianos pelo lado paterno. As gerações na Bahia começaram com seu bisavô que chegou ao Brasil para trabalhar no reparo do Elevador Lacerda.
Ainda criança iniciou sua atividade como músico, ouvindo parentes ao piano. Seu pai era funcionário público, grande farrista e músico amador, tocava além de piano, violão e bandolim. A mãe mestiça de portugueses e africanos, cantava apenas no lar, mas de família quase toda musical e muito festiva.
A velha de colo quente, que canta quadras e conta histórias para ninar é um trecho de sua composição a descrever sua própria infância e sua memória afetiva que traduz muito bem nosso painel inicial de desfile. Tinha uma sobra de escravos, duas ou três pessoas que se agregaram a família e não saíram mais. Essas ensinavam muito sobre a cultura africana numa linguagem que se misturava entre o iorubá e o português, o que certamente serviu como inspiração para diversas canções. Seu pai também era tão fervorosamente católico quanto frequentava os candomblés da Bahia.
Caymmi ainda se apresentava na igreja como baixo cantante. Com treze anos interrompe os estudos e começa a trabalhar em uma redação do jornal O imparcial, como auxiliar. Com o fechamento do jornal em 1929, torna-se vendedor de bebidas sem sucesso juntamente com seu amigo de Zezinho, amigo esse de toda a vida. Em 1930 escreveu sua primeira música “No Sertão” com frases que fala de São João, Santo muito reverenciado em sua juventude nas festas familiares. Aos vinte anos estreou sua carreira como cantor nos programas da Radio Clube da Bahia.
Já em 1935 passou a apresentar o musical Caymmi e suas canções praieiras, todas de grande inspiração dos tempos de férias e veraneios em Itapuã (SAUDADE DE ITAPUÃ, SAUDADE DA BAHIA) com a família de Zézinho até então parceiro musical. De lá surgiu inspiração para tantas canções profundamente ligadas a vida dos pescadores, a solidão de suas esposas, as Lendas do Abaeté e toda a beleza do mar.
Aos 22 anos de idade venceu como compositor o concurso de músicas de Carnaval com o samba “A BAHIA TAMBÉM DÁ” e ganha incentivo a iniciar uma carreira no sul do país.
“Lá no sertão nasce a vida e a alegria no coração
Lá no sertão nasce a vida e a alegria no coração
Nosso amor nasceu pelo São João
Na roda brejeira, na fogueira ao soluçar de um violão”
(trecho – No Sertão de Dorival Caymmi)
Parte então num ITA (navio que cruza o norte até o sul do Brasil) a navegar pela Bahia levando nosso Dorival Caymmi rumo ao Rio de Janeiro, para conseguir um trabalho como jornalista e realizar um curso preparatório de Direito. Com a ajuda de parentes e amigos fez alguns pequenos trabalhos na imprensa e continuava a compor e cantar enquanto morava numa pensão no centro do Rio de Janeiro.
Em 1938 foi apresentado como calouro na Rádio Tupi e saiu-se bem participando do programa de Rádio Dragão da Rua Larga. Neste programa interpretou “O QUE É QUE A BAIANA TEM” composta no mesmo ano. Com a canção fez com que Carmem Miranda tivesse carreira internacional a partir do filme Banana da Terra de 1938. A partir daí Caymmi também faz participações como ator no mundo da sétima arte.
Com seu toque requintado, integrando-se a vida carioca, sem perder a baianidade, Caymmi desfilava também pelas vertentes dos sambas canções, impressionando pela simplicidade da linguagem utilizada, suas composições tem letra e melodia muito bem trabalhadas com cada palavra se casando com as notas adequadas aos efeitos desejados, num exercício de paciência perfeccional. Daí a decantada lentidão de seu método de compor, em parte responsável pela fama de preguiçoso que o persegue.
Caminhando pelas ruas do Rio de Janeiro, consolidando sua carreira e concluindo várias canções praieiras dessa vez nos braços da princesinha do Mar (Copacabana), Caymmi se torna uma das mais expressivas vozes do rádio na década de quarenta e cinquenta, auge dos tempos do rádio no Brasil, quando logo no inicio se apaixona e se casa com a cantora Stella Maris, ao mesmo tempo que revelava o sucesso O SAMBA DA MINHA TERRA.
QUEM NÃO GOSTA DE SAMBA BOM SUJEITO NÃO É
OU É RUIM DA CABEÇA, OU DOENTE DO PÉ
EU NASCI COM O SAMBA, NO SAMBA ME CRIEI
E DO DANADO DO SAMBA NUNCA ME SEPAREI
(TRECHO – Samba da Minha terra – Dorival Caymmi)
A forte presença do mar fez de Caymmi um homem devoto de Yemanjá, mãe dos orixás, Rainha do mar que conduziu toda a beleza dos seus versos com suas sereias exuberantes, suas preces que até pareciam pontos de umbanda e seu sentimento de gratidão quando compôs “DOIS DE FEVEREIRO”. Dorival foi assim como Luiz Gonzaga para o sertão, o homem do mar, a tradução da vida beira mar e popularizou isso como nenhum artista no Brasil sendo a referencia deste tema que hoje revira carnaval.
“Dia dois de fevereiro, dia de festa no mar
Eu quero ser o primeiro a saudar iemanjá”
Caymmi cantou para as mulheres, suas musas divinas. A morena Rosa que o samba todo estava esperando para lhe ver dançar. Tereza Batista, Sinha Zefa, Adalgisa e fez Marina, a canção que falava da vaidade da mulher que se pintava e estragava a beleza natural que Deus lhe deu, usando a frase “desculpe Morena Marina, mas eu to de mal”. O de mal vinha de um neto que sempre dizia isso pra ele. Caymmi sempre apegado a detalhes da vida e do comportamento simples, atento aos detalhes do tempo.
Para as crianças fez Acalanto, marcante cantiga de ninar, a famosa do Boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta.
Para a televisão fez parceria com seu conterrâneo amigo Jorge Amado para compor a Modinha para Gabriela da famosa novela brasileira e também Modinha para Tereza Batista outra obra literária do velho amigo. Outras tantas canções viraram tema de novelas como Copacabana, em Paraíso Tropical, interpretada por Maria Bethania e Rainha do Mar em Porto dos Milagres interpretada por Gal Costa.
Cantou Dora, rainha do frevo e do maracatu mais tarde regravada por inúmeros artistas entre eles Milton Nascimento e Gilberto Gil.
Obá de Xangô (também fez música para Xangô) era filho de santo respeitado e no terreiro de Mãe Menininha do Gantóis se fez grande amizade. Compôs nos anos setenta a Oração de Mãe Menininha, canção interpretada por muitos artistas brasileiros, que se lista entre as mais famosas das canções de Caymmi.
Pintor desde a juventude, expressou nas telas a mesma emoção da vida praeira que o consolidou um artista completo sempre com seu violão.
Em 2008 Dorival Caymmi nos deixou, mas deixou também um legado de mais de 110 canções, pinturas em telas, lembranças e histórias, filhos artistas como Dori Caymmi, Danilo Caymmi e Nana Caymmi e sensação de leve brisa no imenso mar da música popular brasileira. Nos braços de mamãe Yemanjá e sob os ventos de Oyá, para se transformar em um belíssimo Carnaval.
Vamos chamar o vento, vamos chamar o vento, vamos chamar o vento. Certamente vamos festejar o vento, o mar e a eternidade do nosso mestre, o mestre do nosso barco; DORIVAL CAYMMI.
ALODÊ, YEMANJÁ, ODOIÁ, ALODÊ, YEMANJÁ, OYÁ.
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