Qui Nem Jiló (cifrada)
Numa Sala de Reboco
Riacho do Navio (cifrada)
Légua Tirana
Não Vendo Nem Troco
Pau de Arara
Estrela de Ouro
Olha Pro Céu (cifrada)
Respeita Januário (cifrada)
Prosa de "Respeita Januário"
Sabiá (cifrada)
Acauã
Forró no Escuro
Imbalança
Ovo de Codorna
Pagode Russo (cifrada)
Aproveita Gente (cifrada)
Apologia ao Jumento
Pense N'Eu
Lorota Boa
A Triste Partida
A Feira de Caruaru
Derramro o Gái (cifrada)
Danado de Bom (cifrada)
No Meu Pé de Serra (cifrada)
From United States Of Piauí
Retrato de um Forró
Nem se Despediu de Mim
Xamêgo
A Volta da Asa
Luiz Gonzaga nasceu em Exu (PE) no dia 13
de Dezembro de 1912 em uma fazenda chamada "Caiçara", a 3 léguas da
cidade. Filho de Januário e Ana Batista (conhecida por Santana), ele
ganhou esse nome em homenagem à Santa Luzia, que era seu dia.
Aos sete anos, Luiz já pegava sua enxada.
Mas preferia ficar olhando o pai consertar sanfonas e observar como se
tocava esse instrumento. Januário era sanfoneiro respeitado em toda a
região. E Luiz via o pai tocar, estudando os movimentos dos dedos, louco
para experimentar o fole.
Um dia, o pai na roça, Santana na beira do
rio, Luiz pegou uma sanfona velha e começou a tocar. Com poucas
tentativas já conseguia tirar melodias do instrumento. Foi quando a mãe
chegou e lhe deu um safanão. Não queria um filho sanfoneiro que se
perderia no sertão. Mas Januário gostava das tendências musicais do
filho. Deixava o filho ir tocando as sanfonas que vinham de longe para
serem consertadas. Só se assustou quando um dono de um terreiro muito
concorrido, pediu licença para Luiz tocar num baile. O menino irrequieto
e cheio de iniciativa, já andara tocando por lá, sem que Januário
soubesse, fazendo grande sucesso.
- Fale com Santana, ela é que resolve - disse Januário, ao mesmo tempo
orgulhoso e temeroso pelo filho.
Santana a princípio negou, mas depois
resolveu deixar na mão dos homens o assunto. Conversa vai, conversa vem,
Januário consentiu:
- E se der sono nele por lá?
- Ora, a gente arma a rede e manda ele drumi - respondeu o dono do
terreiro, com o sanfoneiro já garantido para a festa.
Naquela noite Luiz tocou com todo
entusiasmo, agradando em cheio. Mas realmente não resistiu. Os olhos
pesaram, a sanfona tornou-se um fardo e o menino foi para a rede. Tão
menino ainda que fez xixi enquanto dormia, fugindo para casa com
vergonha.
A partir de então passou a acompanhar
Januário pelos forrós daquele sertão. Santana a princípio discordava mas
calou-se depois de ver os dois mil réis que o menino ganhava
revezando-se com o pai na sanfona.
Assim cresceu Luiz Gonzaga: ajudando o pai
na roça e na sanfona, acompanhando a mãe às feiras, fazendo pequenos
serviços para os fazendeiros da região, sendo protegido pelo Coronel
Manuel Aires de Alencar. Sr. Aires era homem bondoso e respeitado até
pelos inimigos. Luiz, embora filho de trabalhador, era muito bem tratado
pelos Aires de Alencar. As filhas do Cel. ensinaram-lhe as poucas
letras que aprendeu: assinar o nome, "ler uma carta e escrever outra".
Ensinaram-lhe também a falar correto, comer direito, boas maneiras.
Foi o Sr. Aires quem realizou o grande
sonho de Gonzaga: ter uma sanfona própria. O instrumento, uma harmônica
amarela marca "Veado", custava 120$000, Luiz tinha 60$000 economizados.
O Cel. pagou o resto. Mais tarde foi reembolsado por Luiz com o fruto de
seu trabalho de sanfoneiro.
O primeiro dinheiro ganho com sua sanfona
foi no casamento de Seu Dezinho, em Ipueira: ganhou 20$000. Foi nessa
festa que sua fama de bom sanfoneiro começou a fixar-se. Luiz sentiu que
seu destino era aquele quando, no meio do baile, Mestre Duda, o mais
respeitado sanfoneiro da região, soltou o elogio: "Esse menino é um
monstro pra tocar".
- Foi o maior elogio que já recebi na minha
vida - disse Gonzaga.
Quando descansava da sanfona, Luiz dançava
e namorava. Uma vez, pensou em casar, comprou até alianças, mas Santana
acabou com o noivado do adolescente. A coisa foi pior quando entrou para
um grupo de escoteiros, em Exu, e começou um namoro de olhares com
Nazinha, filha de Raimundo Delgado, um importante da cidade. A primeira
conversa entre os dois confirmou o interesse mútuo. Pensando novamente
em casamento, Luiz foi falar com os pais da moça. Raimundo não estava; a
mãe foi simpática, mas deu a entender que o pai não aprovaria o namoro.
Dias depois, um amigo contava a reação de Raimundo:
- Um diabo que não trabalha, não tem roça,
não tem nada, só puxando aquele fole, como é que quer se casar? É isso,
mora nas terras dos Aires e pensa que é Alencar. Os Aires podendo tirar
o couro daquele negro. Dão liberdade e agora quer moça branca pra se
casar...
Luiz não hesitou; comprou uma peixeira e
foi tirar satisfações do homem, disposto a matá-lo. Raimundo conseguiu
desconversar e contou tudo a Santana. O resultado foi uma surra no
valentão, a maior que recebeu na vida. Santana açoitou-o até perder as
forças e cair sentado num banco. Luiz, assim que se recompôs, fugiu para
o mato.
Em Crato, Luiz mentiu que ia a Fortaleza
comprar um fole novo. E vendeu o velho para Raimundo Lula, tomando o
trem que o levava pra uma resolução: entrar para o Exército. Queria
deixar para sempre Exu, a vergonha do quase crime e de uma surra aos
dezessete anos. Como tantos homens do interior, ia para a capital,
buscar no Exército uma vida melhor.
Tornou-se o recruta 122 numa época
violenta: a Revolução de 1930 logo estourava no Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e Paraíba. Para este último Estado seguiu o batalhão de Luiz,
aderindo aos revoltosos na cidade de Sousa. Os meses seguintes foram de
missões ao Pará, interior do Ceará e Teresina, agora em defesa da
revolução vitoriosa. Na capital do Piauí, Luiz, que estava prestes a dar
baixa, conseguiu o engaiamento e foi para o Sul: Rio, Belo Horizonte,
Campo Grande, Juiz de Fora.
Tinha agora um apelido: "Bico de Aço",
pois tornara-se corneteiro muito competente. Com a sanfona, tivera um
reencontro muito triste. Foi tocar na orquestra do quartel, o maestro
falou:
- Gonzaga, dá um Mi Bemol aí.
- Mi Bemol? Que diabo é isso?
E assim o bom sanfoneiro de Exu ficou de
fora da orquestra: não sabia nem a escala musical. Mas decidiu aprender.
Mandou fazer uma sanfona com Seu Carlos Alemão e começou a estudar com
Domingos Ambrósio, O Dominguinhos, famoso sanfoneiro de Minas. Aprendia
o Mi Bemol e as músicas que se tocavam no centro do país: polcas,
valsas, tangos.
Transferido para Ouro Fino, sul de Minas,
lá tocou pela primeira vez num clube, "assassinando" o repertório de
Augusto Calheiros e Antenógenes Silva. Os bons tempos de caserna estavam
no fim. Uma nova lei proibia que Luiz ficasse mais de dez anos engajado.
Depois de uma ida a São Paulo, em busca de um fole melhor, retornou à
vida paisana. Era 1939, Luiz Gonzaga não sabia direito o que fazer.
"Cum um bocado de roupa
Minha sanfona e dinheiro
Eu vim pra terra da luz
Que é o Rio de Janeiro;
Tive meu primeiro emprego
Meu amigo não se zangue;
Foi num canto de café
Ali pertinho do Mangue."
Enquanto esperava um navio para voltar a
Pernambuco, Luiz ficou no Batalhão de Guardas do Rio de Janeiro. Um
soldado o aconselhou:
- Mas, rapaz! Com um instrumento desses aí e na moita. Isso é dinheiro
vivo, moço! Sei onde você com isso aí pode levar seus cinqüentões
folgados!
Era no Mangue, Rua Júlio do Carmo, esquina
de Carmo Neto. "Um fuzuê dos diabos", conta Luiz.
Luiz saiu-se tão bem no acompanhamento que
o diretor artístico da RCA, Ernesto Matos, pediu-lhe para tocar alguma
coisa em solo. Luiz tocou duas valsas e uma rancheira. Matos gostou e
acabou fazendo uma concessão:
- Agora meta lá esse negocinho do Norte que
você disse que tem.
O "negocinho": o chamego Vira e mexe e o
xóte No Meu Pé de Serra.
-Amanhã pode vir gravar.
14 de Março de 1941, Luiz Gonzaga gravou
seus dois primeiros discos como solista de sanfona. No primeiro, a
mazurca Véspera de São João (Luiz Gonzaga - Francisco Reis) e Numa
Serenata, valsa própria do Luiz. No segundo: Saudades de São João del
Rei (valsa - Simão Jandi) e Vira e Mexe, chamego de Luiz Gonzaga. Os
três 78 rotações que viriam a seguir manteriam a mesma proporção de
música nordestina: Nós queremos uma valsa (Nássara e Frazão), Farolito
(Augustín Lara) e só então o Pé de Serra.
Durante cinco anos Luiz Gonzaga gravaria
cerca de setenta músicas. das quais apenas dez seriam chamegos. A maior
parte eram valsas, polcas, mazurcas e chorinhos, quase sempre de autoria
do próprio Gonzaga.
- Agora que estou mais procurado,
lembrei-me de que fui eu quem lançou o choro no acordeão, algumas coisas
mais fáceis do Nazareth, outras minhas.
E nesses cinco anos Luiz Gonzaga faria
carreira na rádio carioca. Começou com um contrato na rádio Club, para
onde o levou Renato Murce. Substituiu seu ídolo Antenógenes Silva no
Alma do Sertão participava de programas quase todos os dias da semana.
Além disso, tocava no teatro com Genésio Arruda e, nas noites de
domingo, animava os dancings do centro da cidade.
-Havia o contrato da rádio, com seus
400$000 no fim do mês; havia os 20 de Genésio todos os dias e, com
surpreendente regularidade, cerca de 300$000 de venda das gravações, um
outro ordenado.
Deixara de vez o Mangue e a dupla com
Xavier Pinheiro. mas não esqueceu o amigo que inclusive o abrigara em
sua casa: gravou algumas músicas do Xavier, divulgando-as para além dos
bares frequentados por marinheiros e prostitutas.
"Adispôs desse contrato
Num abri e fechá de ôiu
Viero me inconvidar
Pra fundação da Tamôio."
Seiscentos mil réis, o título de "maior
sanfoneiro do Nordeste", mas uma severa proibição de cantar. E Luiz
insatisfeito:
- Talvez por não encontrar a verdadeira
expressão do meu pendor artístico naqueles solos de sanfona, que
subitamente me pareceram desenxabidos, inautênticos. Eu desejava fugir
do ramerrão, das valsas rancheiras (...) Eu havia feito outras
experiências fora do rádio, e os resultados foram animadores. Haviam-me
aplaudido tocando choros, chamegos, forrós e calangos.
Luiz começava sua luta para tocar, cantar
e gravar suas músicas nordestinas quando foi despedido da Tamoio (1944).
Logo foi contratado, por Cr$1 600, 00, pela Rádio Nacional, onde Paulo
Gracindo, olhando para o rosto redondo de Luiz, apelidou-o de "Luiz Lua
Gonzaga".
A fase de grande sucesso do baião nas cidades do sul prolongou-se até meados dos anos 50. Nessa época, as mudanças ocorridas na música popular brasileira, levando ao público novos padrões, contribuíram para o declínio do baião e do êxito de Luiz Gonzaga nas grandes paradas. Mas, continuou sendo bastante ouvido nas pequenas cidades do interior, principalmente no Nordeste.
Sempre teve grande público, como dizia seu filho Luiz Gonzaga Jr., pode
andar pelo Brasil todo sem documentos.
As novas gerações dos grandes centros praticamente desconheciam o trabalho de Luiz Gonzaga.
O ostracismo a que foi condenado por boa
parte da indústria cultural pode ser avaliado por um episódio ocorrido
num momento em que a música jovem era a grande fonte de lucros da
televisão e do rádio
- Uma vez eu procurei um disc-Jockey jóquei
conhecido, e pedi para ele tocar uma música minha no seu programa. E
sabe o que ele me respondeu: "Gonzaga, você tem que compreender
que agora é a juventude, você já era, isso já passou, me desculpe a
franqueza". Aí eu botei minha viola no saco e fui me esconder no meu pé
de serra, pensando mesmo que já tinha acabado.
No entanto, foi a própria juventude a
principal responsável pelo retorno e pela revalorização de Luiz Gonzaga,
pelo reconhecimento à música popular brasileira.
Tudo começou quando Carlos Imperial - que
já apontara a semelhança dos Beatles com a música nordestina lançou o
boato que o grupo inglês ia gravar Asa Branca. A notícia estourou como
bomba, e graças a isso, o Rei do Baião voltou a ser discutido e
convidado a participar de programas de televisão.
Essa redescoberta do Velho Lua assumiu
maior significado quando os novos compositores brasileiros da década de
60, principalmente os tropicalistas, afirmaram haver encontrado em sua
música uma das fontes de inspiração.
- Eu nem conhecia Gilberto Gil, Caetano, eu
não conhecia a moçada - lembrava Luiz Gonzaga.
De repente começaram a dizer que eu era o
"pai da criança". A juventude sempre sabe o que quer.
- Olha mais na frente. Sempre foi assim. Na
política, nas artes, em tudo.
A identificação de Luiz Gonzaga com os
jovens compositores concretizou-se pela primeira vez num LP em que ele
cantava músicas de Edu Lobo, Caetano, Gil, Vandré e Campinam. O disco
significou para ele "uma experiência nova e uma homenagem aos meninos" -
isso num momento político em que muitos dos homenageados estavam
preferindo ou precisando deixar o país.
O reencontro de Luiz Gonzaga com a platéia
urbana, contudo, já estava evidenciado. Nesse sentido teve papel
decisivo seu show realidade em Março de 1972, no Teatro Teresa Raquel.
Os laços com o novo público estreitaram-se também pelo grande números de
shows universitários. É por essa época que ele volta às paradas de
sucesso com Ovo de Codorna, uma "receita de afrodisíaco" de autoria do
compositor nordestino Severino Ramos.
Essa nova fase da carreira do Rei do Baião
culmina com regravações de Asa Branca, por Caetano Veloso e , depois,
Luis Gonzaga Jr.. Ambos recriaram a antiga composição, conferindo-lhe um
caráter original.
Apesar do repetido sucesso de Asa Branca,
essa não era a preferida de Gonzaga. A maior parte de seu carinho
voltava-se para A Triste Partida, canção de autoria de Patativa do
Assaré que descreve a longa e árdua jornada de um nordestino em direção
à cidade grande. Gonzaga a considerava como "o assunto mais sério que já
gravei".
Luiz Gonzaga sempre foi apegado às coisas
de seu "pé de serra". Não perdia nenhuma oportunidade de visitar Exu,
para rever seus amigos e seu velho pai, que mesmo com a voz fraca ainda
era respeitado.
O respeito a Januário é contrabalançado
pela admiração que Luiz tem pelo filho, Gonzaguinha, cujo trabalho ele
não costumava comentar, embora acompanhasse com muito interesse.
- Eu gosto muito da linha melódica das
canções de Luizinho. Ele tem uma harmonização muito bonita. Mas eu fico
por ai porque não entendo bem as letras que ele escreve. Só sei que como
filho ele é espetacular.
Depos de 35 anos de vida profissional, com
cerca de oitocentas músicas gravadas, ele começou a instalar o "Museu
Luiz Gonzaga", contando com a assessoria de sua mulher, Helena. O museu
funciona em Exu, e exibe roupas de apresentações, instrumentos musicais,
partituras, enfim tudo o que se refere à longa carreira artística de
Luiz Gonzaga (atualmente, existem três museus sobre o rei do baião. Um
em Exu (PE), um em Campina Grande (PB) e outro em Cajazeiras (PB)).
- Nada mais justo do que instalar o museu
na minha terra. Na verdade, eu nunca saí de lá, sempre estive ligado
sentimentalmente ao meu pé-de-serra. Com a instalação do Museu, tudo
muito modesto não pretendemos, depois da minha morte, vender nada.
Simplesmente marcar a volta do filho à terra. Uma questão de coerência,
pois sempre dei muito valor ao homem que não esquece da terra.
"No ano de quarenta e oito
a dezesseis de São João
Casou-se Luiz Gonzaga
Famoso Rei do Baião"
Compositor, sanfoneiro, cantor famoso,
Luiz não tinha quem cuidasse de suas roupas e lhe fizesse o jantar.
Remediava a situação morando com a família de seu irmão Zé, que também
fazia carreira como músico na música popular. Mas queria mesmo se casar,
ter uma família e sua vida sossegada. Namorou algumas colegas de rádio,
mas eram moças que não iriam largar suas carreiras "pra tomar conta de
meninos e cozinha". Além disso, só casaria com moças que se desse bem
com sua família, que pretendia buscar no Exu.
Apesar de todas as exigências, Luiz
encontrou o que procurava: a pernambucana Helena das Neves, contadora de
um laboratório no Rio, morena, de óculos, muito séria, nem pintura.
Agora Luiz Gonzaga teria sossego. Rosinha e Luizinho alegram a casa: o
"menino" começa a se destacar em festivais de música.
Homem de hábitos tranqüilos, Luiz na época
do baião (1948-54), instalou seu quartel general em São Paulo, onde era
obrigado a cantar sobre marquises de edifícios ou instalar alto-falantes
na rua, pois os auditórios não comportavam o público que queria ouvi-lo.
De São Paulo viajava para todo o Brasil,
do Rio Grande ao Amapá. A fama lhe trazia satisfação e aborrecimento.
Sempre surgia alguém para abusar de sua bondade. Não raro apareciam
parentes de sobrenome Gonzaga pedindo ajuda:
- O senhor me desculpe, mas eu sou o único
Gonzaga da minha família
Quando sofreu grave acidente
automobilístico, em 1951, apareceram várias pessoas pedindo dinheiro
para pagar promessas que haviam feito para salvá-lo.
- Quando percebi que a coisa passava do
limite, dei o berro.
São as conseqüências de ser famoso, de ter
marcado decisivamente uma fase da música popular brasileira, de ter
conquistado um título definitivo.
Ao barulho do movimento na rua juntava-se
o rumor dos bares, da boêmia malandra e constante, soldados e
marinheiros do mundo inteiro. Loiros, chinos, brasileiros, alemães,
russos, polacos, o diabo. Desconfiado, Luiz começou a tocar timidamente.
Mas logo conseguiu companheiro, o guitarrista Xavier Pinheiro, com quem
passou a tocar nos bares do mangue, nas docas do porto, nas ruas, onde
houvesse alguém disposto a ouvir e jogar alguns tostões no pires. Acabou
sendo convidado para tocar em festinhas de subúrbio e nos cabarés da
Lapa, após a meia-noite, quando encerrava seu "expediente" nas ruas da
cidade. A sanfona garantia-lhe a sobrevivência e abria-lhe novos
caminhos.
No Elite, gafieira da Praça da
República, Luiz teria a primeira oportunidade de conhecer uma figura do
rádio, o pianista cego Amirton Valim, de tocar seus forrós e chamegos do
Nordeste. Era uma exceção, pois seu repertório continuava sendo o
exigido pelo público da época: tangos, fados, valsas, foxtrotes, etc.
Foi tocando esses ritmos estrangeiros
que Luiz fez as primeiras tentativas no rádio, arriscando-se nos
programas de calouros de Silvino Neto e Ari Barroso. Fracasso total:
nunca passava de uma medíocre nota 3. Até que um dia um grupo de
estudantes cearenses chamou-lhe a atenção para o erro que cometia: por
que não apresentava as músicas que crescera ouvindo e tocando, as
músicas gostosas dos sanfoneiros do sertão como seu pai Januário e
Mestre Duda?
- Bôas noite, seu Barroso.
- Rapaz, procure um imprego.
- Seu Ari, me dá licença pra eu tocar
um chamego?
- Chamego?... O qui é isso no rol da
coisa mundana?
- O chamego, Seu Barroso, é musga
pernambucana.
- Como é o nome desse negócio?
- Vira e Mexe!
- Pois arrivira e mexe esse danado...
a gente vê cada uma...
Luiz virou e mexeu com todo mundo. Ari
Barroso deu-lhe nota 5 e o prêmio de 15$000. O público pediu bis,
entusiasmado com a descoberta. Luiz também fazia uma descoberta:
- Havia ambiente para as músicas do
nosso sertão, havia um filão a explorar, até então virgem quase não
passavam de contrafações grosseiras aqueles programas sertanejos com
emboladas e rancheiras.
Não deixou o pires do Mangue, mas
começou a aparecer em programas de rádio, como o Zé do Norte, e a
conhecer os compositores que admirava: Augusto Calheiros, Antenógenes
Silva. Este último, ao saber que Gonzaga tocava no Mangue, profetizou:
- Pois vá se aguentando lá, que seu
dia chegará.
E o dia começou a chegar quando Luiz,
tocando no Mangue, foi procurado por Januário França. Precisava de um
sanfoneiro para acompanhar Genésio Arruda numa gravação. Luiz hesitou:
- Será que eu acerto?
- É sopa, rapaz.
Parceria com Zé Dantas
A parceria de Luiz com Humberto Teixeira
se desfez por volta de 1950. O cearense tinha outras ocupações que
tomavam a sua vida. Elegeu-se deputado federal e começou na Câmara uma
luta cheia de vitórias em defesa do direito autoral. Desde então sua
vida esteve mais ligada às sociedades arrecadadoras do que à música
propriamente dita.
Luiz, entretanto, não ficaria sozinho. Em
1949, em sua segunda viagem ao Recife, foi abordado por um estudante de
medicina que sabia todas as suas músicas e conhecia muito bem os
costumes do sertão. Além disso, cantarolou algumas composições suas que
deixaram Luiz "arrepiado".
- Meu nome é José de Souza Dantas Filho,
mas me chamam só de Zé Dantas.
"Com esse dotô, Zé Danta
Eu pus o Brasil em guerra
Fiz gente cá da cidade
Vortá a morá na Serra
Coloquemo os brasileiro
Cada quá em sua terra"
Luiz, resolveu na mesma hora gravar as
coisas de Zé Dantas. O moço só fez uma exigência: que seu nome não
aparecesse, pois sua família não iria gostar. Luiz não atendeu ao pedido
do novo amigo que em 1950 vinha para o Rio fazer estágio em obstetrícia,
logo tornando-se médico efetivo. A família também não ficou zangada,
pois sabia que Zé continuava um moço sério.
Foi na mesma época em que gravava suas
últimas composições com Humberto Teixeira que Luiz lançou Zé Dantas: Vem
Morena (10/49), A Dança da Moda (04/50), Cintura Fina (05/50), A Volta
de Asa Branca (08/50). Com o novo parceiro faria músicas brejeiras, como
o Xote das Meninas, mas principalmente, reafirmaria sua intenção de
cantar o Nordeste em seus aspectos curiosos (ABC do Sertão), em seu
problema angustiante (Vozes da Seca), os trabalhos de seus homens
(Algodão) e as perspectivas de progresso (Paulo Afonso). Músicas
voltadas para os problemas sociais do Nordeste e do país, elas são
encaradas hoje como precursoras da chamada "música de protesto". Um
protesto "lírico", nas palavras de Luiz Gonzaga
A parceria com
Zé Dantas terminaria com a morte prematura do médico pernambucano, em
1962, aos 41 anos de idade. Morria numa época em que o baião e a música
sertaneja não mais dominavam as grandes cidades, permanecendo vivos,
entretanto, no interior do país.
Parceria com Humberto Teixeira
Tinha agora um parceiro -- Miguel Lima --
que colocava letras em suas músicas e entusiasmava Luiz a gravá-las. Mas
a RCA não lhe dava permissão para cantar. Luiz armou um estratagema;
anunciou que fora convidado para, usando um pseudônimo, gravar cantando
na Odeon. Vitório Lattari, diretor artístico, cedeu diante da ameaça e
saiu Dança Mariquinha, mazurca de Luiz e Miguel Lima.
Era uma experiência, torcia para que desse
certo. No fim do mês descobriu o resultado: ao receber o dinheiro das
gravações, havia mais Cr$ 50, 00. O cantor vendia mais que o simples
sanfoneiro.
- É, tem gente pra tudo -- foi o
comentário de Vitório Lattari...
Ainda em 1945, em parceria com Miguel
lima, lançou dois grandes sucessos: Penerô Xerém e Cortando Pano.
- Miguel Lima, apesar de ótimo compositor
e de bom companheiro, não dava valor àquelas minhas idéias de querer
cantar músicas do norte, de ritmo ainda desconhecido no restante do
país.
Por isso Luiz resolveu procurar um
parceiro nordestino (Miguel Lima era fluminense) que estivesse disposto
a levar adiante seus planos. Procurou Lauro Maia, de quem conhecia
algumas composições gravadas pelos Quatro Azes e Um Coringa, também
cearenses. Maia, com muita modéstia excusou-se de tomar parte na
iniciativa proposta por Luiz, mas indicou-lhe um cunhado que poderia
ajudá-lo: Humberto Teixeira.
Cearense de Iguatu (5 de Janeiro de 1915),
onde estudou as primeiras letras e aprendeu bandolim e flauta, Humberto
fez o curso secundário em Fortaleza, no Liceu do Ceará. naquela época
atuou como flautista-aluno durante algum tempo na Orquestra Iracema,
dirigida pelo maestro Antônio Moreira.
Em 1934, dois anos depois de sua chegada
ao Rio, foi um dos vencedores do concurso de músicas carnavalescas
promovido pela revista "O Malho". Sua música Meu Pedacinho
classificou-se ao lado das de Ari Barroso, Cândido das Neves, José Maria
de Abreu e Ari Kerner. Mas essa vitória não foi não foi suficiente para
que Teixeira alcançasse gravação. Continuou compondo suas valsas,
toadas, "modas" e canções, todas editadas para piano por A Guitarra de
Prata. Seu primeiro êxito em gravação foi Sinfonia do Café, feita
especialmente para Muiraquitã, espetáculo encenado no Teatro Municipal.
Lançada por Déo na Continental, a Sinfonia
do Café -- que ocupava as duas faces do 78 RPM -- abriu caminho para a
gravação de outras composições de Humberto Teixeira., algumas de grande
sucesso na época: Deus Me Perdoe (Ciro Monteiro), Só uma Louca Não Vê
(Orlando Silva), Meu Brotinho (Francisco Carlos) e Natalina (Quatros
Azes e Um Coringa). Mas, "por uma questão de predestinação", como sempre
dizia Humberto, uma dia o destino se aproximaria de Luiz Gonzaga para,
juntos, lançarem o baião.
Recém-formado pela Faculdade Nacional de
Direito, Humberto ensaiava, paralelamente às atividades musicais, os
primeiros passos de advogado, num escritório da Av. Calógeras. E foi lá,
numa tarde de Agosto de 1945, que recebeu o moreno simpático, de cabeça
chata e sorriso rasgado, buscando um parceiro para a empreitada de
lançar no Rio a autêntica "música do norte".
Do longo papo que se prolongou noite
adentro, surgiram os primeiros compassos de Pé de Serra, e a "sanfonização"
de uma linda peça que viria a se tornar na imortal Asa Branca (esta
música foi considerada, recentemente, como a segunda música popular mais
bonita do século, atrás de Aquarela do Brasil). O mais importante
daquele encontro, porém, foi o comum acordo a que chegaram a respeito do
baião: entre os inúmeros ritmos nordestinos, aquele era o mais
"estilizável" e "urbanável". O mais apropriado, portanto, em suas
características e tipicidade, para lançamento da campanha musical que os
dois resolveram deflagrar a partir daquele momento.
Assim nasceu o Baião ("Eu vou mostrar pra
vocês como se dança um baião..."), primeiro desse gênero gravado em todo
o mundo. Sem o ad libitum tão comum nas "modas" do norte, numa batida
uniforme do princípio ao fim ("feito pra dançar"), o baião de Humberto e
Luiz substituía os instrumentos originais (viola, pandeiro, botijão e
rabeca) pelo acordeão, triângulo e zabumba. Resultado: uma melodia
singela, de sabor gregoriano, com versos simples e impregnados de
modismos tipicamente nordestinos.
Foi uma revolução. A música popular
brasileira, que então oscilava entre o samba-canção e os ritmos
importados, foi surpreendida por algo completamente novo e gostoso -- o
baião -- que deu uma sacudida em quatro séculos de nossa música. Os
êxitos da dupla se sucederam: Mangaratiba, Juazeiro, Paraíba, Qui nem
Jiló, Xanduzinha, Baião de Dois e muitos outros. Em toda parte só se
ouvia o baião, e compositores do Sul, como Hervê Cordovil e Waldir
Azevedo, logo aderiram. Mas em 1950 a parceria se desfez: Luiz deixou a
UBC e foi para a SBACEM. Humberto elegia-se deputado Federal, passando a
lutar pelo direito autoral e fazendo aprovar pelo Congresso a Lei
Humberto Teixeira, possibilitando as excursões das célebres "caravanas"
musicais por todo o mundo.
"Há dez anos o trono está vazio. A morte
de Luiz Gonzaga, em 2 de agosto de 1989, vítima de um câncer na
próstata, deixou o Sertão nordestino órfão. Além de Rei do Baião, ele
foi o maior embaixador, das dificuldades, da beleza e da simplicidade da
região. O universo sertanejo está presente em todas as suas
músicas (...). Pouca coisa mudou desde a época das composições. O Sertão
continua como seu Lua deixou. Só que, agora, mais silencioso, saudoso de
seu principal cantador."
Trecho retirado do Jornal do Comércio,
Recife, 2 de agosto de 1999
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