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::.. SINOPSE DO ENREDO ..::
S.R.C.E.S. IRACEMA MEU GRANDE AMOR - CARNAVAL 2001
Enredo: Luis Gonzaga: O Rei do Baião

O Grêmio Recreativo
Autor:

 

Qui Nem Jiló (cifrada)

Numa Sala de Reboco

Riacho do Navio (cifrada)

Légua Tirana

Não Vendo Nem Troco

Pau de Arara

Estrela de Ouro

Olha Pro Céu (cifrada)

Respeita Januário (cifrada)

Prosa de "Respeita Januário"

Sabiá (cifrada)

Acauã

Forró no Escuro

Imbalança

Ovo de Codorna

Pagode Russo (cifrada)

Aproveita Gente (cifrada)

Apologia ao Jumento

Pense N'Eu

Lorota Boa

A Triste Partida

A Feira de Caruaru

Derramro o Gái (cifrada)

Danado de Bom (cifrada)

No Meu Pé de Serra (cifrada)

From United States Of Piauí

Retrato de um Forró

Nem se Despediu de Mim

Xamêgo

A Volta da Asa

Luiz Gonzaga nasceu em Exu (PE) no dia 13 de Dezembro de 1912 em uma fazenda chamada "Caiçara", a 3 léguas da cidade. Filho de Januário e Ana Batista (conhecida por Santana), ele ganhou esse nome em homenagem à Santa Luzia, que era seu dia.

Aos sete anos, Luiz já pegava sua enxada. Mas preferia ficar olhando o pai consertar sanfonas e observar como se tocava esse instrumento. Januário era sanfoneiro respeitado em toda a região. E Luiz via o pai tocar, estudando os movimentos dos dedos, louco para experimentar o fole.

Um dia, o pai na roça, Santana na beira do rio, Luiz pegou uma sanfona velha e começou a tocar. Com poucas tentativas já conseguia tirar melodias do instrumento. Foi quando a mãe chegou e lhe deu um safanão. Não queria um filho sanfoneiro que se perderia no sertão. Mas Januário gostava das tendências musicais do filho. Deixava o filho ir tocando as sanfonas que vinham de longe para serem consertadas. Só se assustou quando um dono de um terreiro muito concorrido, pediu licença para Luiz tocar num baile. O menino irrequieto e cheio de iniciativa, já andara tocando por lá, sem que Januário soubesse, fazendo grande sucesso.


- Fale com Santana, ela é que resolve - disse Januário, ao mesmo tempo orgulhoso e temeroso pelo filho.

 

Santana a princípio negou, mas depois resolveu deixar na mão dos homens o assunto. Conversa vai, conversa vem, Januário consentiu:


- E se der sono nele por lá?


- Ora, a gente arma a rede e manda ele drumi - respondeu o dono do terreiro, com o sanfoneiro já garantido para a festa.

 

Naquela noite Luiz tocou com todo entusiasmo, agradando em cheio. Mas realmente não resistiu. Os olhos pesaram, a sanfona tornou-se um fardo e o menino foi para a rede. Tão menino ainda que fez xixi enquanto dormia, fugindo para casa com vergonha.

 

A partir de então passou a acompanhar Januário pelos forrós daquele sertão. Santana a princípio discordava mas calou-se depois de ver os dois mil réis que o menino ganhava revezando-se com o pai na sanfona.

 

Assim cresceu Luiz Gonzaga: ajudando o pai na roça e na sanfona, acompanhando a mãe às feiras, fazendo pequenos serviços para os fazendeiros da região, sendo protegido pelo Coronel Manuel Aires de Alencar. Sr. Aires era homem bondoso e respeitado até pelos inimigos. Luiz, embora filho de trabalhador, era muito bem tratado pelos Aires de Alencar. As filhas do Cel.  ensinaram-lhe as poucas letras que aprendeu: assinar o nome, "ler uma carta e escrever outra". Ensinaram-lhe também a falar correto, comer direito, boas maneiras.

 

Foi o Sr. Aires quem realizou o grande sonho de Gonzaga: ter uma sanfona própria. O instrumento, uma harmônica amarela marca "Veado", custava 120$000, Luiz tinha 60$000 economizados. O Cel. pagou o resto. Mais tarde foi reembolsado por Luiz com o fruto de seu trabalho de sanfoneiro.

 

O primeiro dinheiro ganho com sua sanfona foi no casamento de Seu Dezinho, em Ipueira: ganhou 20$000. Foi nessa festa que sua fama de bom sanfoneiro começou a fixar-se. Luiz sentiu que seu destino era aquele quando, no meio do baile, Mestre Duda, o mais respeitado sanfoneiro da região, soltou o elogio: "Esse menino é um monstro pra tocar".

 

- Foi o maior elogio que já recebi na minha vida - disse Gonzaga.

 

Quando descansava da sanfona, Luiz dançava e namorava. Uma vez, pensou em casar, comprou até alianças, mas Santana acabou com o noivado do adolescente. A coisa foi pior quando entrou para um grupo de escoteiros, em Exu, e começou um namoro de olhares com Nazinha, filha de Raimundo Delgado, um importante da cidade. A primeira conversa entre os dois confirmou o interesse mútuo. Pensando novamente em casamento, Luiz foi falar com os pais da moça. Raimundo não estava; a mãe foi simpática, mas deu a entender que o pai não aprovaria o namoro. Dias depois, um amigo contava a reação de Raimundo:

 

- Um diabo que não trabalha, não tem roça, não tem nada, só puxando aquele fole, como é que quer se casar? É isso, mora nas terras dos Aires e pensa que é Alencar. Os Aires podendo tirar o couro daquele negro. Dão liberdade e agora quer moça branca pra se casar...

 

Luiz não hesitou; comprou uma peixeira e foi tirar satisfações do homem, disposto a matá-lo. Raimundo conseguiu desconversar e contou tudo a Santana. O resultado foi uma surra no valentão, a maior que recebeu na vida. Santana açoitou-o até perder as forças e cair sentado num banco. Luiz, assim que se recompôs, fugiu para o mato.

 

Em Crato, Luiz mentiu que ia a Fortaleza comprar um fole novo. E vendeu o velho para Raimundo Lula, tomando o trem que o levava pra uma resolução: entrar para o Exército. Queria deixar para sempre Exu, a vergonha do quase crime e de uma surra aos dezessete anos. Como tantos homens do interior, ia para a capital, buscar no Exército uma vida melhor.

 

Tornou-se o recruta 122 numa época violenta: a Revolução de 1930 logo estourava no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. Para este último Estado seguiu o batalhão de Luiz, aderindo aos revoltosos na cidade de Sousa. Os meses seguintes foram de missões ao Pará, interior do Ceará e Teresina, agora em defesa da revolução vitoriosa. Na capital do Piauí, Luiz, que estava prestes a dar baixa, conseguiu o engaiamento e foi para o Sul: Rio, Belo Horizonte, Campo Grande, Juiz de Fora.

 

Tinha agora um apelido: "Bico de Aço", pois tornara-se corneteiro muito competente. Com a sanfona, tivera um reencontro muito triste. Foi tocar na orquestra do quartel, o maestro falou:
- Gonzaga, dá um Mi Bemol aí.
- Mi Bemol? Que diabo é isso?

 

E assim o bom sanfoneiro de Exu ficou de fora da orquestra: não sabia nem a escala musical. Mas decidiu aprender. Mandou fazer uma sanfona com Seu Carlos Alemão e começou a estudar com Domingos Ambrósio, O Dominguinhos, famoso sanfoneiro de Minas. Aprendia o Mi Bemol e as músicas  que se tocavam no centro do país: polcas, valsas, tangos.

 

Transferido para Ouro Fino, sul de Minas, lá tocou pela primeira vez num clube, "assassinando" o repertório de Augusto Calheiros e Antenógenes Silva. Os bons tempos de caserna estavam no fim. Uma nova lei proibia que Luiz ficasse mais de dez anos engajado. Depois de uma ida a São Paulo, em busca de um fole melhor, retornou à vida paisana. Era 1939, Luiz Gonzaga não sabia direito o que fazer.

   "Cum um bocado de roupa
    Minha sanfona e dinheiro
    Eu vim pra terra da luz
    Que é o Rio de Janeiro;
    Tive meu primeiro emprego
    Meu amigo não se zangue;
    Foi num canto de café
    Ali pertinho do Mangue."

Enquanto esperava um navio para voltar a Pernambuco, Luiz ficou no Batalhão de Guardas do Rio de Janeiro. Um soldado o aconselhou:
- Mas, rapaz! Com um instrumento desses aí e na moita. Isso é dinheiro vivo, moço! Sei onde você com isso aí pode levar seus cinqüentões folgados!

Era no Mangue, Rua Júlio do Carmo, esquina de Carmo Neto. "Um fuzuê dos diabos", conta Luiz.

Luiz saiu-se tão bem no acompanhamento que o diretor artístico da RCA, Ernesto Matos, pediu-lhe para tocar alguma coisa em solo. Luiz tocou duas valsas e uma rancheira. Matos gostou e acabou fazendo uma concessão:

- Agora meta lá esse negocinho do Norte que você disse que tem.

O "negocinho": o chamego Vira e mexe e o xóte No Meu Pé de Serra.

-Amanhã pode vir gravar.

14 de Março de 1941, Luiz Gonzaga gravou seus dois primeiros discos como solista de sanfona. No primeiro, a mazurca Véspera de São João (Luiz Gonzaga - Francisco Reis) e Numa Serenata, valsa própria do Luiz. No segundo: Saudades de São João del Rei (valsa - Simão Jandi) e Vira e Mexe, chamego de Luiz Gonzaga. Os três 78 rotações que viriam a seguir manteriam a mesma proporção de música nordestina: Nós queremos uma valsa (Nássara e Frazão), Farolito (Augustín Lara) e só então o Pé de Serra.

Durante cinco anos Luiz Gonzaga gravaria cerca de setenta músicas. das quais apenas dez seriam chamegos. A maior parte eram valsas, polcas, mazurcas e chorinhos, quase sempre de autoria do próprio Gonzaga.

- Agora que estou mais procurado, lembrei-me de que fui eu quem lançou o choro no acordeão, algumas coisas mais fáceis do Nazareth, outras minhas.

E nesses cinco anos Luiz Gonzaga faria carreira na rádio carioca. Começou com um contrato na rádio Club, para onde o levou Renato Murce. Substituiu seu ídolo Antenógenes Silva no Alma do Sertão participava de programas quase todos os dias da semana. Além disso, tocava no teatro com Genésio Arruda e, nas noites de domingo, animava os dancings do centro da cidade.

-Havia o contrato da rádio, com seus 400$000 no fim do mês; havia os 20 de Genésio todos os dias e, com surpreendente regularidade, cerca de 300$000 de venda das gravações, um outro ordenado.

Deixara de vez o Mangue e a dupla com Xavier Pinheiro. mas não esqueceu o amigo que inclusive o abrigara em sua casa: gravou algumas músicas do Xavier, divulgando-as para além dos bares frequentados por marinheiros e prostitutas.

    "Adispôs desse contrato
    Num abri e fechá de ôiu
    Viero me inconvidar
    Pra fundação da Tamôio."

Seiscentos mil réis, o título de "maior sanfoneiro do Nordeste", mas uma severa proibição de cantar. E Luiz insatisfeito:

- Talvez por não encontrar a verdadeira expressão do meu pendor artístico naqueles solos de sanfona, que subitamente me pareceram desenxabidos, inautênticos. Eu desejava fugir do ramerrão, das valsas rancheiras (...) Eu havia feito outras experiências fora do rádio, e os resultados foram animadores. Haviam-me aplaudido tocando choros, chamegos, forrós e calangos.

Luiz começava sua luta para tocar, cantar e gravar suas músicas nordestinas quando foi despedido da Tamoio (1944). Logo foi contratado, por Cr$1 600, 00, pela Rádio Nacional, onde Paulo Gracindo, olhando para o rosto redondo de Luiz, apelidou-o de "Luiz Lua Gonzaga".

A fase de grande sucesso do baião nas cidades do sul prolongou-se até meados dos anos 50. Nessa época, as mudanças ocorridas na música popular brasileira, levando ao público novos padrões, contribuíram para o declínio do baião e do êxito de Luiz Gonzaga nas grandes paradas. Mas, continuou sendo bastante ouvido nas pequenas cidades do interior, principalmente no Nordeste. Sempre teve grande público, como dizia seu filho Luiz Gonzaga Jr., pode andar pelo Brasil todo sem documentos.

As novas gerações dos grandes centros praticamente desconheciam o trabalho de Luiz Gonzaga. O ostracismo a que foi condenado por boa parte da indústria cultural pode ser avaliado por um episódio ocorrido num momento  em que a música jovem era a grande fonte de lucros da televisão e do rádio

- Uma vez eu procurei um disc-Jockey jóquei conhecido, e pedi para ele tocar uma música minha no seu programa. E sabe o que  ele me respondeu: "Gonzaga, você tem que compreender que agora é a juventude, você já era, isso já passou, me desculpe a franqueza". Aí eu botei minha viola no saco e fui me esconder no meu pé de serra, pensando mesmo que já tinha acabado.

No entanto, foi a própria juventude a principal responsável pelo retorno e pela revalorização de Luiz Gonzaga, pelo reconhecimento à música popular brasileira.

Tudo começou quando Carlos Imperial - que já apontara a semelhança dos Beatles com a música nordestina lançou o boato que o grupo inglês ia gravar Asa Branca. A notícia estourou como bomba, e graças a isso, o Rei do Baião voltou a ser discutido e convidado a participar de programas de televisão.

Essa redescoberta do Velho Lua assumiu maior significado quando os novos compositores brasileiros da década de 60, principalmente os tropicalistas, afirmaram haver encontrado em sua música uma das fontes de inspiração.

- Eu nem conhecia Gilberto Gil, Caetano, eu não conhecia a moçada - lembrava Luiz Gonzaga.

De repente começaram a dizer que eu era o "pai da criança". A juventude sempre sabe o que quer.

- Olha mais na frente. Sempre foi assim. Na política, nas artes, em tudo.

A identificação de Luiz Gonzaga com os jovens compositores concretizou-se pela primeira vez num LP em que ele cantava músicas de Edu Lobo, Caetano, Gil, Vandré e Campinam. O disco significou para ele "uma experiência nova e uma homenagem aos meninos" - isso num momento político em que muitos dos homenageados estavam preferindo ou precisando deixar o país.

O reencontro de Luiz Gonzaga com a platéia urbana, contudo, já estava evidenciado. Nesse sentido teve papel decisivo seu show realidade em Março de 1972, no Teatro Teresa Raquel. Os laços com o novo público estreitaram-se também pelo grande números de shows universitários. É por essa época que ele volta às paradas de sucesso com Ovo de Codorna, uma "receita de afrodisíaco" de autoria do compositor nordestino Severino Ramos.

Essa nova fase da carreira do Rei do Baião culmina com regravações de Asa Branca, por Caetano Veloso e , depois, Luis Gonzaga Jr.. Ambos recriaram a antiga composição, conferindo-lhe um caráter original.

Apesar do repetido sucesso de Asa Branca, essa não era a preferida de Gonzaga. A maior parte de seu carinho voltava-se para A Triste Partida, canção de autoria de Patativa do Assaré que descreve a longa e árdua jornada de um nordestino em direção à cidade grande. Gonzaga a considerava como "o assunto mais sério que já gravei".

Luiz Gonzaga sempre foi apegado às coisas de seu "pé de serra". Não perdia nenhuma oportunidade de visitar Exu, para rever seus amigos e seu velho pai, que mesmo com a voz fraca ainda era respeitado.

O respeito a Januário é contrabalançado pela admiração que Luiz tem pelo filho, Gonzaguinha, cujo trabalho ele não costumava comentar, embora acompanhasse com muito interesse.

- Eu gosto muito da linha melódica das canções de Luizinho. Ele tem uma harmonização muito bonita. Mas eu fico por ai porque não entendo bem as letras que ele escreve. Só sei que como filho ele é espetacular.

Depos de 35 anos de vida profissional, com cerca de oitocentas músicas gravadas, ele começou a instalar o "Museu Luiz Gonzaga", contando com a assessoria de sua mulher, Helena. O museu funciona em Exu, e exibe roupas de apresentações, instrumentos musicais, partituras, enfim tudo o que se refere à longa carreira artística de Luiz Gonzaga (atualmente, existem três museus sobre o rei do baião. Um em Exu (PE), um em Campina Grande (PB) e outro em Cajazeiras (PB)).

- Nada mais justo do que instalar o museu na minha terra. Na verdade, eu nunca saí de lá, sempre estive ligado sentimentalmente ao meu pé-de-serra. Com a instalação do Museu, tudo muito modesto não pretendemos, depois da minha morte, vender nada. Simplesmente marcar a volta do filho à terra. Uma questão de coerência, pois sempre dei muito valor ao homem que não esquece da terra.

"No ano de quarenta e oito

a dezesseis de São João

Casou-se Luiz Gonzaga

Famoso Rei do Baião"

Compositor, sanfoneiro, cantor famoso, Luiz não tinha quem cuidasse de suas roupas e lhe fizesse o jantar. Remediava a situação morando com a família de seu irmão Zé, que também fazia carreira como músico na música popular. Mas queria mesmo se casar, ter uma família e sua vida sossegada. Namorou algumas colegas de rádio, mas eram moças que não iriam largar suas carreiras "pra tomar conta de meninos e cozinha". Além disso, só casaria com moças que se desse bem com sua família, que pretendia buscar no Exu.

Apesar de todas as exigências, Luiz encontrou o que procurava: a pernambucana Helena das Neves, contadora de um laboratório no Rio, morena, de óculos, muito séria, nem pintura. Agora Luiz Gonzaga teria sossego. Rosinha e Luizinho alegram a casa: o "menino" começa a se destacar em festivais de música.

Homem de hábitos tranqüilos, Luiz na época do baião (1948-54), instalou seu quartel general em São Paulo, onde era obrigado a cantar sobre marquises de edifícios ou instalar alto-falantes na rua, pois os auditórios não comportavam o público que queria ouvi-lo.

De São Paulo viajava para todo o Brasil, do Rio Grande ao Amapá. A fama lhe trazia satisfação e aborrecimento. Sempre surgia alguém para abusar de sua bondade. Não raro apareciam parentes de sobrenome Gonzaga pedindo ajuda:

- O senhor me desculpe, mas eu sou o único Gonzaga da minha família

Quando sofreu grave acidente automobilístico, em 1951, apareceram várias pessoas pedindo dinheiro para pagar promessas que haviam feito para salvá-lo.

- Quando percebi que a coisa passava do limite, dei o berro.

São as conseqüências de ser famoso, de ter marcado decisivamente uma fase da música popular brasileira, de ter conquistado um título definitivo.

Ao barulho do movimento na rua juntava-se o rumor dos bares, da boêmia malandra e constante, soldados e marinheiros do mundo inteiro. Loiros, chinos, brasileiros, alemães, russos, polacos, o diabo. Desconfiado, Luiz começou a tocar timidamente. Mas logo conseguiu companheiro, o guitarrista Xavier Pinheiro, com quem passou a tocar nos bares do mangue, nas docas do porto, nas ruas, onde houvesse alguém disposto a ouvir e jogar alguns tostões no pires. Acabou sendo convidado para tocar em festinhas de subúrbio e nos cabarés da Lapa, após a meia-noite, quando encerrava seu "expediente" nas ruas da cidade. A sanfona garantia-lhe a sobrevivência e abria-lhe novos caminhos.

No Elite, gafieira da Praça da República, Luiz teria a primeira oportunidade de conhecer uma figura do rádio, o pianista cego Amirton Valim, de tocar seus forrós e chamegos do Nordeste. Era uma exceção, pois seu repertório continuava sendo o exigido pelo público da época: tangos, fados, valsas, foxtrotes, etc.

Foi tocando esses ritmos estrangeiros que Luiz fez as primeiras tentativas no rádio, arriscando-se nos programas de calouros de Silvino Neto e Ari Barroso. Fracasso total: nunca passava de uma medíocre nota 3. Até que um dia um grupo de estudantes cearenses chamou-lhe a atenção para o erro que cometia: por que não apresentava as músicas que crescera ouvindo e tocando, as músicas gostosas dos sanfoneiros do sertão como seu pai Januário e Mestre Duda?

- Bôas noite, seu Barroso.
- Rapaz, procure um imprego.
- Seu Ari, me dá licença pra eu tocar um chamego?
- Chamego?... O qui é isso no rol da coisa mundana?
- O chamego, Seu Barroso, é musga pernambucana.
- Como é o nome desse negócio?
- Vira e Mexe!
- Pois arrivira e mexe esse danado... a gente vê cada uma...

Luiz virou e mexeu com todo mundo. Ari Barroso deu-lhe nota 5 e o prêmio de 15$000. O público pediu bis, entusiasmado com a descoberta. Luiz também fazia uma descoberta:

- Havia ambiente para as músicas do nosso sertão, havia um filão a explorar, até então virgem quase não passavam de contrafações grosseiras aqueles programas sertanejos com emboladas e rancheiras.

Não deixou o pires do Mangue, mas começou a aparecer em programas de rádio, como o Zé do Norte, e a conhecer os compositores que admirava: Augusto Calheiros, Antenógenes Silva. Este último, ao saber que Gonzaga tocava no Mangue, profetizou:

- Pois vá se aguentando lá, que seu dia chegará.

E o dia começou a chegar quando Luiz, tocando no Mangue, foi procurado por Januário França. Precisava de um sanfoneiro para acompanhar Genésio Arruda numa gravação. Luiz hesitou:

- Será que eu acerto?
- É sopa, rapaz.

 

Parceria com Zé Dantas

A parceria de Luiz com Humberto Teixeira se desfez por volta de 1950.  O cearense tinha outras ocupações que tomavam a sua vida. Elegeu-se deputado federal e começou na Câmara uma luta cheia de vitórias em defesa do direito autoral. Desde então sua vida esteve mais ligada às sociedades arrecadadoras do que à música propriamente dita.

Luiz, entretanto, não ficaria sozinho. Em 1949, em sua segunda viagem ao Recife, foi abordado por um estudante de medicina que sabia todas as suas músicas e conhecia muito bem os costumes do sertão. Além disso, cantarolou algumas composições suas que deixaram Luiz "arrepiado".

- Meu nome é José de Souza Dantas Filho, mas me chamam só de Zé Dantas.

"Com esse dotô, Zé Danta

Eu pus o Brasil em guerra

Fiz gente cá da cidade

Vortá a morá na Serra

Coloquemo os brasileiro

Cada quá em sua terra"

Luiz, resolveu na mesma hora gravar as coisas de Zé Dantas. O moço só fez uma exigência: que seu nome não aparecesse, pois sua família não iria gostar. Luiz não atendeu ao pedido do novo amigo que em 1950 vinha para o Rio fazer estágio em obstetrícia, logo tornando-se médico efetivo. A família também não ficou zangada, pois sabia que Zé continuava um moço sério.

Foi na mesma época em que gravava suas últimas composições com Humberto Teixeira que Luiz lançou Zé Dantas: Vem Morena (10/49), A Dança da Moda (04/50), Cintura Fina (05/50), A Volta de Asa Branca (08/50). Com o novo parceiro faria músicas brejeiras, como o Xote das Meninas, mas principalmente, reafirmaria sua intenção de cantar o Nordeste em seus aspectos curiosos (ABC do Sertão), em seu problema angustiante (Vozes da Seca), os trabalhos de seus homens (Algodão) e as perspectivas de progresso (Paulo Afonso). Músicas voltadas para os problemas sociais do Nordeste e do país, elas são encaradas hoje como precursoras da chamada "música de protesto". Um protesto "lírico", nas palavras de Luiz Gonzaga

A parceria com Zé Dantas terminaria com a morte prematura do médico pernambucano, em 1962, aos 41 anos de idade. Morria numa época em que o baião e a música sertaneja não mais dominavam as grandes cidades, permanecendo vivos, entretanto, no interior do país.

 

Parceria com Humberto Teixeira

Tinha agora um parceiro -- Miguel Lima -- que colocava letras em suas músicas e entusiasmava Luiz a gravá-las. Mas a RCA não lhe dava permissão para cantar. Luiz armou um estratagema; anunciou que fora convidado para, usando um pseudônimo, gravar cantando na Odeon. Vitório Lattari, diretor artístico, cedeu diante da ameaça e saiu Dança Mariquinha, mazurca de Luiz e Miguel Lima.

Era uma experiência, torcia para que desse certo. No fim do mês descobriu o resultado: ao receber o dinheiro das gravações, havia mais Cr$ 50, 00. O cantor vendia mais que o simples sanfoneiro.

- É, tem gente pra tudo -- foi o comentário de Vitório Lattari...

Ainda em 1945, em parceria com Miguel lima, lançou dois grandes sucessos: Penerô Xerém e Cortando Pano.

- Miguel Lima, apesar de ótimo compositor e de bom companheiro, não dava valor àquelas minhas idéias de querer cantar músicas do norte, de ritmo ainda desconhecido no restante do país.

Por isso Luiz resolveu procurar um parceiro nordestino (Miguel Lima era fluminense) que estivesse disposto a levar adiante seus planos. Procurou Lauro Maia, de quem conhecia algumas composições gravadas pelos Quatro Azes e Um Coringa, também cearenses. Maia, com muita modéstia excusou-se de tomar parte na iniciativa proposta por Luiz, mas indicou-lhe um cunhado que poderia ajudá-lo: Humberto Teixeira.

Cearense de Iguatu (5 de Janeiro de 1915), onde estudou as primeiras letras e aprendeu bandolim e flauta, Humberto fez o curso secundário em Fortaleza, no Liceu do Ceará. naquela época atuou como flautista-aluno durante algum tempo na Orquestra Iracema, dirigida pelo maestro Antônio Moreira.

Em 1934, dois anos depois de sua chegada ao Rio, foi um dos vencedores do concurso de músicas carnavalescas promovido pela revista "O Malho". Sua música Meu Pedacinho classificou-se ao lado das de Ari Barroso, Cândido das Neves, José Maria de Abreu e Ari Kerner. Mas essa vitória não foi não foi suficiente para que Teixeira alcançasse gravação. Continuou compondo suas valsas, toadas, "modas" e canções, todas editadas para piano por A Guitarra de Prata. Seu primeiro êxito em gravação foi Sinfonia do Café, feita especialmente para Muiraquitã, espetáculo encenado no Teatro Municipal.

Lançada por Déo na Continental, a Sinfonia do Café -- que ocupava as duas faces do 78 RPM -- abriu caminho para a gravação de outras composições de Humberto Teixeira., algumas de grande sucesso na época: Deus Me Perdoe (Ciro Monteiro), Só uma Louca Não Vê (Orlando Silva), Meu Brotinho (Francisco Carlos) e Natalina (Quatros Azes e Um Coringa). Mas, "por uma questão de predestinação", como sempre dizia Humberto, uma dia o destino se aproximaria de Luiz Gonzaga para, juntos, lançarem o baião.

Recém-formado pela Faculdade Nacional de Direito, Humberto ensaiava, paralelamente às atividades musicais, os primeiros passos de advogado, num escritório da Av. Calógeras. E foi lá, numa tarde de Agosto de 1945, que recebeu o moreno simpático, de cabeça chata e sorriso rasgado, buscando um parceiro para a empreitada de lançar no Rio a autêntica "música do norte".

Do longo papo que se prolongou noite adentro, surgiram os primeiros compassos de Pé de Serra, e a "sanfonização" de uma linda peça que viria a se tornar na imortal Asa Branca (esta música foi considerada, recentemente, como a segunda música popular mais bonita do século, atrás de Aquarela do Brasil). O mais importante daquele encontro, porém, foi o comum acordo a que chegaram a respeito do baião: entre os inúmeros ritmos nordestinos, aquele era o mais "estilizável" e "urbanável". O mais apropriado, portanto, em suas características e tipicidade, para lançamento da campanha musical que os dois resolveram deflagrar a partir daquele momento.

Assim nasceu o Baião ("Eu vou mostrar pra vocês como se dança um baião..."), primeiro desse gênero gravado em todo o mundo. Sem o ad libitum tão comum nas "modas" do norte, numa batida uniforme do princípio ao fim ("feito pra dançar"), o baião de Humberto e Luiz substituía os instrumentos originais (viola, pandeiro, botijão e rabeca) pelo acordeão, triângulo e zabumba. Resultado: uma melodia singela, de sabor gregoriano, com versos simples e impregnados de modismos tipicamente nordestinos.

Foi uma revolução. A música popular brasileira, que então oscilava entre o samba-canção e os ritmos importados, foi surpreendida por algo completamente novo e gostoso -- o baião -- que deu uma sacudida em quatro séculos de nossa música. Os êxitos da dupla se sucederam: Mangaratiba, Juazeiro, Paraíba, Qui nem Jiló, Xanduzinha, Baião de Dois e muitos outros. Em toda parte só se ouvia o baião, e compositores do Sul, como Hervê Cordovil e Waldir Azevedo, logo aderiram. Mas em 1950 a parceria se desfez: Luiz deixou a UBC e foi para a SBACEM. Humberto elegia-se deputado Federal, passando a lutar pelo direito autoral e fazendo aprovar pelo Congresso a Lei Humberto Teixeira, possibilitando as excursões das célebres "caravanas" musicais por todo o mundo.

"Há dez anos o trono está vazio. A morte de Luiz Gonzaga, em 2 de agosto de 1989, vítima de um câncer na próstata, deixou o Sertão nordestino órfão. Além de Rei do Baião, ele foi o maior embaixador, das dificuldades, da beleza e da simplicidade da região.  O universo sertanejo está presente em todas as suas músicas (...). Pouca coisa mudou desde a época das composições. O Sertão continua como seu Lua deixou. Só que, agora, mais silencioso, saudoso de seu principal cantador."

Trecho retirado do Jornal do Comércio, Recife, 2 de agosto de 1999

 


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