
Na cabaça da criação, onde se guardam os segredos do universo, pulsa o sopro primeiro do mundo: O ventre da mulher. É ali no útero ancestral da Terra, que nasce o nosso canto.
A Mocidade Unida da Mooca, em reverência ao culto Gèlèdé, ergue sua bandeira para exaltar o poder invisível que move o mundo - Agbara Obinrin, a força das mulheres negras.
Gèlèdé, mistério sagrado do povo iorubá, é culto e celebração. E dança, máscara e energia. É o reconhecimento de que são elas - as lyámis, mães ancestrais - que tecem o fio da vida, mantêm o equilíbrio universal e resguardam a sabedoria que atravessa o mundo e as gerações.
É por esse espelho mítico que iniciamos nossa travessia, mergulhando na África matriz, onde Odùdówà e Òbátálá disputam a primazia da criação, e o ventre da Terra revela que toda origem é feminina.
Do seio da África ao sal do Atlântico, seguimos com aquelas que atravessaram oceanos - não como náufragas, mas sendo o próprio mar. Estamos conectadas, somos atlânticas. Cada passo nosso é continuação de um percurso ancestral que segue ecoando por todos os cantos do mundo.
Atravessamos o tempo com elas, gestando ideias, parindo saberes, criando filhos e frutos, organizando comunidades e coletivos, e reescrevendo histórias que foram apagadas. Somos filhas de uma travessia que nunca terminou, mas que se transforma a cada nova geração que se reconecta, reconhece e retoma o seu caminho de volta pelo mar.
Em seus corpos-territórios, a marca da travessia; em suas almas, o axé das Yàbás - divindades que são força justiça, ternura e revolução. Oxum, Yemanjá e todas as orixás caminham com as mulheres negras que fizeram do Brasil o seu terreiro, o ilê asé onde os toques dos tambores e os pés no chão nos reconectam à experiência do bem viver africano. Nas danças, nos cantos, nas folhas e nos rituais, elas recriam o mundo todos os dias.
Aqui, no chão do Brasil, florescem irmandades forjadas na fé e na luta. Mulheres negras reunidas em torno da espiritualidade, da memória, da autoproteção e da resistência: Irmandade da Boa Morte, Filhas de Gandhy, o Movimento de Marisqueiras de Sergipe... São quilombos vivos, onde tradição vira abrigo e o sagrado habita o cotidiano. Como Laudelina de Campos Melo, que da lida fez luta; como as Mães de Maio, que da dor fizeram justiça, como tantas outras que bordaram com coragem o direito de existir com dignidade e a esperança de plantar futuros.
E assim chegamos ao agora - ao grito que se faz verbo, à memória que se recusa a ser esquecida. Geledés: nome atribuído ao Instituto, eco de um culto, sopro das vozes-mulheres que seguem organizando revoluções. Fundado por mulheres negras e guiado por vozes potentes, o Instituto resgata e renova o legado das Mães Ancestrais.
É voz que denuncia, é mão que acolhe, é a ponte para o amanhã. Como nos ensina Conceição Evaristo, cada mulher negra carrega as insubmissões da sua própria existência – sua trajetória e sonhos moldam os contornos de um novo mundo.
Nosso desfile será uma ode, uma reza e acima de tudo uma celebração. Caminharemos com passos firmes sobre a avenida do tempo, entoando oríkis em saudação às que vieram antes e plantando as sementes das que ainda virão.
Celebraremos Gèlèdés como símbolo de uma potência que não se curva: a força ancestral, espiritual e política das mulheres negras. Porque é do ventre delas que nasce a vida, é na memória delas que resistem os saberes, e é na luta delas que o futuro se reinventa.
Somos continuidade.
Somos herança.
Somos o amanhã que já começou.
Axé Gèlèdés Axé!
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