I
Sou mais um filho da noite, sangue preto do Brasil
Sem chibata e sem açoite, recusei-me a ser servil
O mais bravo dos soldados, entre fuzis e canhões
A voz dos injustiçados ante as submissões
Santo nome, santa praia, brasileiros em batalha
Contra o jugo e a tirania, resistência nunca falha
Há mais de duzentos anos, o meu grito ecoou
Este chão não é escravo, este chão não tem senhor
II
No velho Bairro da Pólvora, ia e vinha muita gente
Parada dos viajantes, suplício dos penitentes
Diante da opressão, viu-se a corda arrebentada
Liberdade! Por três vezes, como Cristo, foi negada
Do grito daquele povo, o meu sonho se espraiou
Pro lugar, um nome novo, liberdade já raiou?
Mesmo por aquelas bandas sendo Pedro coroado
Aprender a liberdade nunca nos foi ensinado
III
Minha gente da Capela, agradeço a devoção
Pela reza mais sincera, pois a fé não tem prisão
Sobre o negro cemitério, a metrópole se ergueu
Entre histórias e mistérios, o meu nome, se esqueceu
Eu envergo, mas não tombo, santo negro foi quem disse
Para um novo quilombo ser bordado por Eunice
Entre festa, canto, dança e a reza dos fiéis
Os retalhos se encontram na Rua do Lavapés
IV
Para o povo que se une nesta negra procissão
Eu derramo minha benção e deixo minha lição:
Resistência, se levante, que é hora de lutar!
Pela voz dos excluídos, liberdade há de raiar!
Se a cidade nos sufoca, rabiscamos sua imagem
Onde é negra a história e é branca a paisagem
Itamares, Carolinas, Adhemares e Geraldos
Hão de ver brilhar Eunice e queimar o Borba Gato!
V
Não esqueça o passado, minha chama não se apaga
Eis meu nome e meu legado: Francisco José das Chagas
Pela sua liberdade, eu paguei com minha vida
Com os devotos da Capela, vou cantar a despedida:
“Estou enterrado na Rua da Glória,
Lembre de mim se passar por ali
Sou fato oculto da sua história
Mas veja, ainda estou aqui!” |