Introdução
“Os deuses não nos revelaram desde o princípio todas as coisas, mas,
com o tempo, se buscarmos, poderemos aprender, conhecê-las melhor. A verdade certa, contudo, ninguém jamais a conheceu nem
conhecerá: a dos deuses ou a de todas as outras coisas, mesmo se por acaso alguém pronunciasse o nome da verdade última, não
poderia reconhecê-la, neste universo de opiniões.”
Karl Popper
A mitologia africana é muito rica, muitas são as divindades de diferentes culturas variando de região
geográfica e grupo étnico, ou seja, do lugar e do povo dentro da África.
Muitas lendas perderam-se na transposição de um continente para o outro, outras se modificaram,
mas em sua essência continuam as mesmas, lindas e formosas mostrando que no maior continente e no berço
da civilização humana vigora uma biblioteca viva, extremamente vasta e ampla a fim de ser desvendada e
divulgada aos quatro cantos do mundo.
Neste contexto, apresentamos uma das várias lendas da tradição Iorubanas de como surgiu o
Candomblé e como foi cultuado os seus orixás durante e após a escravidão no Brasil. Nesta transposição do
culto dos orixás da África para o Brasil, um número reduzido de orixás foi conservado. Pesquisadores apontam
para números entre duzentos (200) a seiscentos (600) e até mais divindades existentes nos diferentes
panteões africanos. \
A teologia Ioruba faz referência ao Orún e ao Aiyé. Em momento algum ou em qualquer circunstância,
o faz sobre as palavras inferno e pecado. As leis, a lógica, o bom senso e os ensinamentos permeiam a
conduta das pessoas, até porque estes são termos posteriores à criação do homem segundo a teologia Ioruba. CARNAVAL 2014
XIRÊ! LOUVAÇÃO AOS ORIXÁS .
SINOPSE
1º Setor
SURGIMENTO DO CANDOMBLÉ
Houve um tempo em que não havia separação entre o Òrun, o reino dos orixás, e o Aiyê, a terra dos
homens. Orixás e homens viviam juntos, entre um reino e outro.
Até que um dia um ser humano tocou o Òrun com as mãos sujas e conspurcou o reino dos orixás.
Oxalá, o grande orixá, que adora a cor branca, foi reclamar com Olorun, o Deus supremo, senhor
onipresente da criação. Olorun, enfurecido com a displicência dos homens, soprou seu hálito divino e criou o
Sanmo, o céu, separando Òrun e Aiyê. Orixás e homens já não podiam mais ir e vir entre um reino e outro.
As divindades se entristeceram de saudade dos homens e foram falar com Olorun que ouviu as divinas
queixas. Olorun acabou por consentir que, de vez em quando, os orixás voltassem à terra mas com uma
condição: teriam que usar o corpo material de seus filhos devotos.
Oxum, orixá de beleza e formosura, foi encarregada por Olorun de preparar os mortais para
receberem os orixás. Fez oferendas a Exú para afastar os problemas na execução de sua tarefa. Veio ao Aiyê,
banhou o corpo dos devotos com ervas especiais, cortou seus cabelos, raspou suas cabeças, pintou as cabeças
com pintinhas brancas, assim como são as penas de Etu, a galinha d’angola. Vestiu-os com belos panos e
grandes laços e os enfeitaram com joias e coroas.
Ornou ainda a cabeça com o ecodidé, a sagrada pena vermelha de edidé, papagaio-da-costa.
Nas mãos, colocou as ferramentas das divindades: espelhos, espadas, cetros etc. E nos braços pulseiras
e braçadeiras.
Preparou ainda as cabeças, com seus segredos, para atrair o orixá do iniciado. Assim a divindade não
se enganaria em seu retorno ao Aiyê, o mundo dos homens.
Os yaôs, os devotos iniciados estavam prontos e nas palavras de Oxum, odara (lindo), os mais bonitos.
Os humanos fizeram oferendas aos orixás, convidando-os a virem à terra, nos corpos dos yaôs. Então,
os orixás vieram e tomaram seus devotos, enquanto os homens tocavam os tambores, vibravam os chocalhos,
batiam os agogôs, cantavam, batiam palmas e davam vivas á volta dos orixás.
Orixás e homens puderam novamente estar juntos. Surgiu então o Candomblé.
2º Setor
O XIRÊ DOS ORIXÁS
“No Candomblé, o Deus criador é Olorum, chamado de Olodomarê. Ele vem acompanhado de uma série de outros seres... Temos os
orixás: o conjunto de entidades que pode se manifestar diretamente com os homens... A imagem que nós temos dos orixás é
justamente aquela que vemos no barracão. Os orixás vestidos, dançando com os gestos próprios. Diz-se que os filhos, pouco a pouco,
assumem muitas características do seu orixá. Com isso, ao falar de um orixá, automaticamente associamos suas características à
personalidade de seus filhos e muitas vezes também à sua própria historia de vida. Portanto, falar dos orixás é também falar de nós
mesmos.”
Agenor Miranda Rocha “As nações Kêtu”
As cerimônias públicas (festa de santo) ou “toque” é uma cerimônia essencialmente comemorativa
musical. Seu objetivo principal é a presença dos orixás entre os ortais. Sendo a música uma linguagem
privilegiada no diálogo com os orixás, a festa pode ser entendida como um chamado ou uma prece, pedindo a
eles que venham estar unto a seus filhos, seja pôr motivo de alegria ou de necessidade destes.
Começa-se o xirê, que significa: brincar, dançar e denota o tom alegre da festa de candomblé, onde os
próprios orixás são saudados e louvados com cantigas próprias, as quais correspondem danças coreográficas
que particularizam as características de cada orixá. É nesses momentos do ritual de grande efervescência, que
as divindades chegam a terra no corpo de seu iniciado. Na maioria dos candomblés o xirê segue a seguinte
ordem, toca-se para:
Exú: no padê (porque ele é o intermediário entre os homens e os orixás, entre o mundo do além e o da
terra);
Ogum: é o dono dos caminhos e dos metais e sem ele e suas invenções da faca e da enxada o sacrifício
aos orixás e o trabalho na terra estariam impedidos;
Osossi: está ligado a sobrevivência através da caça e da pesca, é irmão de Ogum;
Obaluayê: é o senhor da cura das doenças, ou aquele que a traz;
Ossain: dono das folhas que curam daí a ligação com Obaluayê e também porque nada se faz sem as
folhas no candomblé;
Oxumarê: por sua ligação com Xangô, como escravo deste e como aquele que faz a ligação entre o céu“nuvens e a terra”;
Xangô: Senhor do trovão e do fogo trazido por Oxumarê;
Oxum: esposa favorita de Xangô, orixá da riqueza, vaidade;
Logum-nedé: o filho de Oxum com Oxossi;
Iansã: que no mito criou Logum-nedé, juntamente com Ogum, quando Oxum o abandonou, orixá dos
raios e tempestades;
Obá: tida em muitas casas como irmã de Iansã, é a terceira mulher de Xangô;
Nanã: a mais velha das yabás, orixás femininos;
Ewa: Orixá que representa a cobra fêmea, só pode ser feita em cabeça feminina e virgem;
Yemanjá: Dona das cabeças, das águas salgadas e mulher de Oxalá;
Oxalá: Dividi-se em Oxalufã (Velho) e Oxoguian (novo), o senhor de toda criação.
Pode ocorrer outra ordem de xirê, dependendo da nação, seja qual for à sequência e sua concepção
cosmológica, ela costuma ser fixa para cada casa. É exatamente o xirê que de alguma forma norteia os
acontecimentos da festa, fazendo entre outras coisas com que os filhos se identifiquem através das cantigas e
ritmos, os momentos apropriados ao cumprimento da etiqueta religiosa.
CONCLUSÃO
O candomblé é uma religião dinâmica, mas ao contrário da imaginação de muitos, devido à sua
variedade de orixás é essencialmente monoteísta, crê em um único Deus e criador Olorún (olo = dono, senhor
e Orun = céu, espaço celeste sagrado), que criou o céu e a terra, os orixás e o homem. O Orún sua morada e
dos Araorún, todos os ancestrais divinizados; o Aiyê, moradia dos Arayé, os seres humanos, os animais,
vegetais, minerais e toda forma da natureza. Os orixás integram a natureza por excelência, seus guardiões e
fiscais, energia indispensável para toda a sobrevivência com função dupla: reger e cuidar da natureza em si e
da natureza humana; o homem, objeto principal da sua criação para de tudo usufruir dentro dos critérios do
seu criador.
No candomblé nada se inventa, tudo se aprende. O saber e o conhecimento só vêm com o tempo.
Ensinamento, humildade, merecimento e compreensão, a sua prática tende a adaptar-se ao crescimento e
modernidade do mundo, professando a sua religião através dos seus rituais.
Sendo assim, espero que nestes cinquenta e cinco minutos, possamos entender, compreender e
respeitar esta religião, tão marginalizada pela sociedade. E que neste carnaval, após 125 anos da ABOLIÇÃO,
poder quebrar os grilhões que ainda tendem a resistir a esta louvação ao culto dos ORIXÁS. |