Introdução
Neste enredo, faremos um vasto e complexo estudo: o Negro na civilização brasileira. Com isto a União Imperial presta uma homenagem a bravura, à coragem, à inteligência, a alegria do Negro brasileiro.
Tanto quanto possível não nos fixaremos neste ou naquele episódio.
Queremos mostrar o todo. O imenso Sol no qual o Negro africano irradiou em nosso país.
“Não nos aproximamos sequer dos raios do grande sol de alegria e de beleza que o escravo, com sangue e suor fez surgir nos cenários seus sofrimentos..
Mas o sol nasce, um dia, iluminará definitivamente a todas que formam a nacionalidade brasileira. Se não o explorarmos, se não utilizarmos a sua energia, se não irradiarmos em todo o seu curso, tanto pior para nós.”
A União Imperial apresenta o Negro Brasileiro: sua face alegre e descontraída, sua potencialidade e sua arte.
ÁFRICA
Ninguém sabe exatamente em que ano foram introduzidos os primeiros escravos no Brasil. Sabe-se, contudo, que os primitivos engenhos de cana de açúcar da Capitania de São Vicente, isto em torno de 1531, possuíam trabalhando negros africanos. Mas foi em 1538 que veio da Guiné a primeira remessa direta de Negros Escravos, num navio pertencente a Jorge Lopes Bixorda, arrendário da Colônia.
Por todos os séculos XVI, XVII e XVIII os Negros Africanos entraram no Brasil. A escravidão, não só dos Mouros, mas dos Negros em geral, estava sancionada na Metyrópole, em leis especiais das Ordenações Afonsinas (Século XVI), Manuelinas ( começo do século XVI) e Felipina (1603).
PROCEDÊNCIA DOS NEGROS AFRICANOS
Dizer simplesmente da África é vago. Sabemos o quanto é extenso continente africano e quão inúmeras são as tribos, as raças africanas. Mas para o branco senhor, não havia povos diversos, mas tão somente Negros Escravos. E o que eles viam nos escravos era a saúde, o vigor físico, daí terem sido falhos os estudos de identificação da procedência dos escravos. Entretanto podemos dizer que os negros provinham de uma zona mais ou menos continua que se estendia do Golfo da Guiné até o Sudão e, descendo para o Rio Congo, continuava para o leste até as praias do Oceano Índico, na chamada Contra-Costa.
No começo do tráfico o maior número de escravos importados era de Angola, do Congo e da Guiné. Quando se iniciou o tráfico na Bahia, a procedência dominante era da Guiné e do Sudão Ocidental. Foi grande o numero de Negros Nagôs (Iorubás), Minas (da Costa do Ouro), Gêges (daomeanos) e Negros Maometanos, como haussás, tapas, mandingas, fulalis...
“Muitas tribos desapareceram sem deixar traço: rebolos, grúncis, caçanjis, tapas, muxicongos, enquanto outras nos legaram apenas os gentílicos já em acepções novas: mandiga, fulas, Moçambique, banguela.
Os Nagôs e os Gêges, povos vizinhos da África, impuseram a toda a massa escrava a sua religião, que atualmente constitui o cerne dos cultospopulares brasileiros – candomblés, macumbas, xangôs, batuques.
Os angolenenses em geral e não uma tribo qualquer da Angola nos brindaram com a “ capoeira”, a “pernada” e o “samba de roda”, jogos os dois primeiros, o último uma dança aberta a quem dela queira participar.
Os negros haussas, muçulmanos, que só por pouco tempo foram trazidos para o Brasil, introduziram um tipo de culto especial, de orientação maometana(male) já desaparecido e deixara na Bahia uma maneira de preparar arroz, arroz d’haussa, antes de atrair impiedosa reação policial com as insurreições que naquela cidade provocaram.
Aos negros da Costa da Mina, em geral depois que os traficantes aclimataram ao Brasil o dendê e o quiabo devem-se as iguarias chamadas baianas: caruru, vatapá, efó, acarajé, abará, o arroz de cuxá do Maranhão e o traje típico da baiana.
Coube aos negros de angola contribuir para o maior número de nomes de lugares. No que se refere à totalidade de escravos, porém, a escravidão preparou, irrecorrivelmente a sua maior realização.
Ilu ayê e odara são termos Nagôs.
Ilu ayê é quase uma evocação. É a saudade da África distante a “terra da vida”. É aquele gente boa, aqui transplantada, era chamada odara. (odara quer dizer: gente boa).
Os negros aqui aportados cantavam cantos de lamentos evocando a terra distante a sua Ili Ayê.
E foi grande o número de negros aqui chegados. Quase incalculável.
Oscilam as avaliações entre 4 milhões e a 18 milhões para o numero de escravos entrados no Brasil em quatro séculos.
Aos poucos os negros foram se integrando, o negro foi se incorporando.
De acordo com o interesse econômico nacional, o negro galgou a sua acepção social. No principio a extração do pau-brasil. A seguir, para as minas, para as lavouras do algodão e do café.
E sempre que a decadência se pronunciou na principal exploração econômica, no açúcar, nas minas, nas lavouras do sul, o escravo teve mais lazer e o senhor se viu obrigado a retira-lo do campo, seja para serviços domésticos, seja para transformá-lo em negro de aluguel ou em negro de ganho até alforriá-lo de vez. Em suma, o rendimento menor da exploração econômica trouxe o negro do campo para a cidade e cada vez urbanizou maior número de escravos.
A integração do negro foi dolorida, penosa.
A principio, quando de seus lamentos, os negros se referiam a África distante como se tivesse perdido para sempre a sua Ilu ayê. Porém, ao longo do tempo foi ganhando amor à terra como a sua nova Ilu ayê.
Aculturação
Os maiores mercados de escravos se localizavam na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão e no Rio de Janeiro. Lá eram os escravos desembarcados nus ou quase nus e distribuídos no trabalho. A seleção era feita de acordo com a raça, a idade e o grau de resistência física.
Os melhores negros, sudaneses aristrocatas, ficaram na Bahia. Os Congose Minas espalharam-se pelos trabalhos de cana de açúcar, no Nordeste do Café no Estado do Rio de Janeiro e São Paulo. Mais tarde, no século XVIII os trabalhos das minas atraíram a grande massa de congos e angolanos que se espalharam pelo Vale das Mortes. Os negros mais dóceis, as mulheres Minas e Gêges, foram aproveitadas no serviço doméstico.
Eschwege escreveu: “até agora o escravo tem sido pau de toda a obra: lavrador, fabricante de açúcar e aguardente, animal de transporte, máquina de britagem e de pulverização, cozinheiro, pajem, palafreneiro, sapateiro, alfaiate, correio e carregador. É o único bem do homem livre, a cujas necessidades ele provê. Sem seu auxílio o branco poderia considerar-se pobre, mesmo que suas arcas regurgitassem e ouro. Com efeito, as terras permaneceriam incultas e a mineração desapareceria, caso não existisse o escravo que fizesse todos esses serviços. É ele quem cuidava da própria, alimentação do senhor, que, se assim não fosse, t6eria de viver miseravelmente, ou de emigrar para outras terras, onde seu ouro tivesse alguma serventia.” Poderia parecer exagero o trecho que transcrevemos , mas não é , aculturando-se o negro construiu a grandeza do Brasil.
Quando a febre do ouro, no trabalho de mineração o negro foi tudo. Os brancos nada sabiam e se limitavam a vigiar. Escreveu ainda o barão de Eschwege em 1933: “ durante anos, a experiência e habilidade do negro foram o único guia, sendo rejeitado tudo que não concordava com isto”.
Escreveu Edson Carneiro: “os brancos, sumidos na mais completa ignorância, nem mesmo reconheceram, nas pedras com que marcavam os seus jogos familiares, os diamantes que mais tarde os iriam enriquecer”.
Ladinos os negros , muitos , conseguiram se aproveitar do esplendor da mineração, para comprarem suas próprias liberdades....
A cana de açúcar, explorada em quase todo litoral e, especialmente no nordeste, deu a uma pequena fração da escravaria os negros de ofício , necessários à fabricação de açúcar e os serviços auxiliares dos engenhos certo grau limitado de especialização. Os escravos da cidade, parcialmente saídos das fileiras dos negros do ofício e dos escravos domésticos , tiveram oportunidades desiguais de ascenção, dependente da época e do lugar. Mas foi no trabalho de mineração que os escravos tiveram maior oportunidade de ascenção social.
O trabalho das minas formou especialistas, transformou o escravo, por definição a mão de obra desqualificada, em minerador e, em proporção menor, em comerciante.
Ainda com relação à mineração, que nos consideramos um dos mais importantes estágios no desenvolvimento do Brasil, lembramos que Minas Gerais, antes subordinadas a São Paulo passou a constituir uma capitania (1722). A população nacional, mais densa no norte antes das descobertas, concentrou-se, preponderantemente no sul. A riqueza das minas deslocou o centro administrativo da colônia, da Bahia para o Rio de Janeiro e elevou o país a vice-reino.
Dizia ainda, com relação a este período: “ o negro não era apenas o minerador era o taverneiro, o comerciante de gêneros alimentícios e, até o proprietário de escravos. Nas catas, empalmava diamantes, engolindo-os, ocultando-os na boca, nos dedos, no anus ou escondia o ouro na carapinha, com o que pagava a sua liberdade e das mulheres e amigos. Taverneiros ou vendedores de gêneros ou de guloseimas, servia de elementos de ligação entre os contrabandistas.
Antonia escrevia: “a mineração do ouro e do diamante foi certamente a maior aventura coletiva do Brasil. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos e pretos...”
Na área do ouro as cantigas de trabalho tinham um nome próprio: Vissungo. Quando se encerrou o ciclo da mineração o saldo foi bastante positivo: tão geral foi a ascenção social do negro em Minas Gerais que a passagem de escravo a cidadão se operou suavemente, sem choques nem episódios marcantes. O povo habituara-se a valorizar os escravos e aceita-los na sociedade.
Ruth Landes situa bem o papel durante as escravidão: dizia ela que a negra fora, sem dúvidas o esteio econômico e emocional da família. Enquanto o negro, no campo, na mineração e na vida urbana, estava sujeito a tirania, a negra a permanência e a reprodução da gente de cor se fixava, angariando simpatias, na casa do senhor. E despertando desejo. Foi a miscigenação.
“Na cidade, nos serviços de ganho, ele desempenha qualquer trabalho. Vemo-lo, por exemplo, a conduzir carroças, a transportar fardos, a varrer lojas e ruas. Depois de libertos é que as suas aptidões se revelaram melhor. Como ganhadores, nos trabalhos da cidade, eles se reuniam em lugares especiais, o canto, e esperavam que fossem chamados para a condução de volumes: cadeirinhas, pipas de vinhos, pianos e etc.”
Nos famosos cantos eles (os negros) demonstravam todas as suas aptidões. Assim escreve Manuel Querino: ficavam eles sentados em tripeças a conversar até serem chamados para o desempenho de qualquer daqueles misteres (conduzir cadeiras, pipas e etc...). Aí também se incumbiam eles de outros trabalhos: preparavam rosários de coquilhos com borda de retrós de cores, pulseiras de ouro, enfeitadas de búzios e outras de marroquim oleado, fabricavam correntes de arame para prender papagaios, esteiras e chapéus de palha de ouricori e bem assim vassouras de piaçavas; lavavam chapéus de chile e de outra palha qualquer e consertavam chapéus de sol.
Uma vez ou outra aparecia nos cantos o cabelereiro ambulante que não só raspava a cabeça com o também escanhoava o rosto dos parceiros.
Nas horas de descanso entretinham-se a jogar o A-i-ú.
Cada canto era dirigido por um chefe que apelidavam de capitão, restringindo suas funções a contratar e dirigir os serviços e a receber salários.
O Capitão do Mato
O Capitão do Mato sempre à cata dos negros que se evadiram das torturas e dos maus tratos. A figura odienta, do aventureiro e Nômade capitão do mato inspirava horror e nojo.
O Capitão do Mato tinha a função de caçar os negros fugidos.
O Banzo: é um estado psicológico que cometeu o negro dno novo mundo, é uma doença de tristeza, de nostalgia, uma espécie de suicídio lento.
“No período da escravidão os sofrimentos e os castigos não lhes permitiam quase nenhuma atividade espontânea”.
Entretanto nos escassos momentos de descanso os negros davam expansão à sua capacidade criadora. Uma das primeiras conquistas do Negro foi o direito de dançar (sambar). Existia, inclusive o dia de sambar, que era o dia de descanso.
Os negros viviam em habitações coletivas, a senzala construídas nos fundos da casa grande.
Sob uma aparência angelical, as rodas de samba surgiam como simples diversão dos escravos, florescendo nos campos das fazendas e nos lugarejos do interior, tornando nomes regionais, nos vários estados do Brasil, amalgamando-se com outras danças de origem europeia e ameríndia, as danças negras tornam-se de difícil discriminação para o etnólogo. Progressivamente vão perdendo o seu caráter puro, de origem. Adquirem novos aspectos e tomam novas denominações.
O musicólogo e folclorista Luciano Gallet fez a seguinte classificação para as danças negras implantadas no Brasil. Ele as distribuiu em 17 espécies:
Quimbetê (Minas Gerais)
Sarambeque (Minas Gerais)
Sarambú (Minas Gerais)
Sorongo (Minas Gerais e Bahia)
Alujá (dança religiosa)
Jequedé (dança religiosa)
Cateretê(Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro)
Caxambú (Minas Gerais)
Batuque (nome generalizado)
Samba (Bahia, Rio , Pernambuco)
Jongo (estado do Rio)
Lundu (inicialmente dança)
Chiba (estado do Rio)
Cana Verde (estado do Rio)
Maracatu (Nordeste)
Candomblé (Bahia)
Côco de Zambê ( Rio Grande do Norte)
Estas danças negras do tipo batuque se reduzem afinal de contas, ao motivo primitivo da dança-de-roda, de onde surge um dançador, que vai para o meio do círculo, executando curiosos passos, com requebros do corpo, em evoluções individuais e ao ritmo das palmas e dos instrumentos de percussão a sua dança cessa, quando ele ser dirige (com umbigada ou não) à roda, escolhendo este ou aquele que lhe há de suceder, no centro do círculo.
Todas as danças, de origem ou influencia negra, confluíram numa forma genérica que é o atual samba brasileiro, dança nacional.
Diz Arthur Ramos:
“Creio ter havido três épocas ou etapas, em que se haja delineado uma tendência à fixação de uma forma da dança negro-brasileira. Numa primeira fase, vamos encontrar a forma genérica Batuque, que é a dança de roda, com execuções individuais, originadas dos negros angola-angolaneses. Uma segunda fase assinala o aparecimento do maxixe, dança brasileira que aproveitou o elemento negro dos batuques, incorporando-o a estilizações hispano-americanas (habaneras) e europeia (polca). Uma terceira fase, atual, que está realizando um amplo conglomerado”.
A música vocal e instrumental dos Negros africanos exerceu extraordinária influência em terras da América. Dos instrumentos musicais, temos o tambor, no Brasil chamado tambaque ou atabaque, tornando outros nomes conforme o lugar em procedência. Assim, há várias modalidades de atabaques, de origem sudanesa ou bantu: batá, ilu, cuíca, tambor de jongo, ingono, etc.
O samba é uma corruptela de semba, que quer dizer umbigada em Angola.
O Lundu
O lundu é um tipo de dança de origem africana que se nacionalizou no Brasil, atingindo o auge no século XVIII. Era uma música e dança de plebe, só mais tarde é que a classe média aderiu a ela.
Comenta Mário de Andrade:
“A palavra “Lundu” está desaparecendo. Aqui no centro do país indica especialmente uma cantiga praceana, de andamento mais vivo que o da modinha e com texto de caráter cômico, irônico, indiscreto.”
A capoeira de angola
Ê ê viva meu mestre
Yayá, que me ensinou
Yoyô, a malandrage
Yayá, a capoeirage
Yayá, vorta do mundo
Yoyô, que o mundo dá.
Este é o jogo da capoeira de angola. Este é um dos versos dos muitos que os capoeiras cantam.
Forma-se a roda com orquestra de berimbaus, pandeiros, chocalhos, mas o berimbau, instrumento angolense de som especial, que caracteriza a capoeira, e o único imprescindível. Um par de jogadores entra na roda e vai agachar-se diante dos músicos. Os dois capoeiras a partir deste momento, não podem falar e ali ficam agachados, enquanto os companheiros cantam como por exemplo, os versos acima.
Os capoeiras são a este momento de espera o nome de preceito, mas os espectadores se habituam a dizer que os jogadores estão rezando ou esperando o santo. Depois, em certo momento os capoeiras percorrem a marcha-marcha, a roda e o primeiro movimento de ataque parte daquele que se encontra à frente. O jogo solicita todo o corpo, mas especialmente as pernas e pés. As mãos apenas equilibram o corpo exceto no golpe de pescoço (tronco), no dedo, nos olhos e nos balões quando sustentam o corpo do adversário afim de atirá-lo, por cima da cabeça, para trás. As pernas em que aparece concentrar-se a agilidade máxima do capoeira, golpeiam na rasteira e no rabo-d’arraia, na bananeira, na meia luas, na tesoura, na chapa de pé e na chibata, o pé caindo do alto, num arco de 45 graus. Na Bahia se denomina o jogo da vadiação.
A Capoeira de simples jogo passou a ser usada pelos negros como uma forma de ataque e defesa, sendo assim reprimida.
Festas Populares
No Brasil, os negros adaptavam suas próprias instituições aos velhos autos populares trazidos pelo colonizador português, sobrevivências do velhos romances históricos, marítimos, mouriscos, cavalharescos, novelescos.
Os Congos
Os autos populares dos Congos (cocumbis na Bahia) vêm do inicio do século XVII e nada mais eram que sobrevivências de coroação de monarcas africanos nas terras de origem.
Escreveu Pereira da Costa que os primeiros destes festejos datam de 24 de junho de 1706, segundo documentos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de Vila de Iguaraçu em Pernambuco.
“Nos moldes da monarquia portuguesa, compunha-se de rei, rainha, secretário de estado, mestre de campo, arautos, damas de honrae açafares; e um serviço militar com marechais, brigadeiros, coronéis e todos os demais postos do exército.”
Eram usuais os tratamentos de majestade, excelência e senhoria. Os personagens são portanto: o rei, a rainha , o mamêto (príncipe suena, em algumas versões), o quimbôto (feiticeiro), o embaixador, o capataz, príncipes, princesas, guerreiros.
O brinquedo é o seguinte: a rainha envia os seus embaixadores a corte do Rei do Congo, Há várias espécies, no meio das quais surge o mamêto que pede satisfações ao embaixador. Declara-sea luta. Morre o mamêto (em algumas versões e morte por uma entidade ameríndia:o caboclo de olho trágico e brandindo um terrível tacape). Mas o quimbôto tem o poder de ressuscitar o mamêto, fazendo-o com evocações, passos mágicos e cânticos que são respondidos pelo coro. O mamêto ressuscita em meio a grande alegria e o auto termina com doenças e cânticos que festejam o acontecimento.
O auto do congo não se conserva com sua pureza temática de origem. Vai se fragmentando progressivamente. Ora permanece apenas a cena da coroação são os congos. Ora as embaixadas vão constituir o tema principal os maracatus, os festejos carnavalescos, etc..
Ora é o tema da rainha que se destaca são as Taieiras. De uma forma genérica, as taieiras eram negras da irmandade do Rosário que acompanhavam as procissões vestidas de baianas. Estas festas populares consistiam numa passeata processional com cânticos e instrumentos de origem africana. A coroação simbólica do rei e da rainha terminaram por uma visita à Igreja Nossa Senhora do Rosário ou de São Benedito. Além do aspecto de tradição folclórica estas festas do congo tinham uma significação social: revelavam uma tendência do negro de se agruparem para a sua defesa e organizarem pacificamente sua libertação.
Vamos encontrar depois estes agrupamentos nos ranchos e ternos da Bahia, isto é, reunião festiva dos negros por ocasião do Natal e de Reis.
As Confrarias e Irmandades
As confrarias e irmandades católicas do negro continuam a tradição. Existiram e existem várias destas confrarias no Rio e em outros pontos do Brasil: de Nossa Senhora do Rosário, de Santa Efigênia, de São Domingos de Gusmão, do Parto, e etc..
Nestas confrarias e irmandades os negros contribuíam com uma quota, produto de seu trabalho para a compra de sua carta de alforria.
Integração
Negro não humilhe
e nem se humilhe a ninguém
todas as raças
já foram escravas também
A abolição
A abolição resultou num atuar permanente de pequenas pressões e conquistas até a assinatura final da Lei Àurea.
Como vimos as Irmandades e Confraria e católicas dos Negros, contribuíram para libertação de escravos comprando cartas de alforria, com dinheiro arrecadado dos próprios negros . A maçonaria contribuiu para a alforria dos escravos.
Também a história de Chico Rei é bastante sugestiva. Os negros ainda constituíam as chamadas juntas de alforrias. Os escravos se reuniam nestas juntas sob a chefia daquele que inspirasse mais confiança. Caixas de empréstimos e juntas de alforrias existiram em várias províncias do Brasil, fundadas por negros escravos. Lideranças surgiram durante toda a fase da campanha abolicionista: Luiz Gama, André Rebouças, José Ferreira de Menezes, José do Patrocínio, Manuel Quirino, Rui Barbosa, Castro Alves, Perdigão Malheiros, Luiza Regadas, Princesa Isabel, entre outros.
Escreveu Edson Carneiro:
“A Lei Àurea” o fruto que pendia de apodrecido passou quase sem oposição do parlamento num tempo recorde de quatro dias. Precedia-a, mais do que quarenta anos de campanha parlamentar e de agitação nacional, a economia capitalista, implantada definitivamente no Império depois de 1850, quando as grandes somas empregadas no tráfico de escravos encontraram ocupação mais rendosa e útil em bancos, empresas de navegação, indústrias e companhias de comércio. E, ao mesmo tempo aceleravam o processo abolicionista e imprimiam razão e força às atividades de Luiz Gama, de José do Patrocínio, de Tavares Bastos, de Joaquim Nabuco e de Rui Barbosa , a entrada de imigrantes, as fugas de escravos, as alforrias compradas ou doadas, a decadência da lavoura, o número cada vez maior de negros, livres e escravos recrutados pela indústria nascente.
A contribuição dos negros na arte
O negro na música
A dança e a música que os africanos introduziram no Brasil tiveram uma origem religiosa e mágica. Surgiram de seus cultos religiosos e das cerimônias rituais da vida social. A música e a dança envolveram toda a sua vida.
Podemos dizer que os povos que forneceram escravos para o Brasil tinham a dança como instituição: danças religiosas, danças funerárias, autos de caça, de guerra, de amor.
Sudaneses e bantus transportaram até o Brasil suas danças religiosas e guerreiras. O quizomba, por exemplo, dança nupcial de Angola, exerceu uma nítida influência nos sambas e batuques, danças negras brasileiras. Os autos da vida social dos negros são acompanhados de música. No movimento de afirmação nativista de música brasileira, o contingente maior foi o negro. Nas partes rítmica e melódica os processos são essencialmente de inspiração negra. Muitos compositores brancos foram buscar na música do negro inspiração para suas composições. Entre eles podemos citar: Alexandre Levy (1864-1892) que pode ser considerado o iniciador da Escola Nacionalista da música brasileira; Alberto Neponuceno, que compôs entre outras obras “Batuque”; Ernesto Nazaré compositor dos famosos “Tangos Brasileiros” de influência negra; Luciano Gallet; Heitor Villa-Lobos, fértil em obras musicais de motivos folclóricos negros. Não podemos deixar de citar a personalidade marcante do Padre José Maurício, negro, considerado o primeiro chefe da escola musical brasileira. De José Maurício disse o célebre Neuckomm, discípulo de Haydn que ele era “o primeiro improvisador do mundo”.. Entre suas obras citamos o seu “Requiem”.
Lembramos ainda Caldas Barbosa e Francisco Braga, mulato, maestro de renome que tem entre outras obras o Hino à Bandeira, Marabá, etc..
Negro na pintura, escultura e arquitetura
Os povos negros que vieram para o Brasil possuíam uma organização artística de causar inveja, em suas terras de origem.
A cultura material da Bacia do Congo é esplendorosa. A cerâmica é desenvolvida e conhecida a suas em fabricação de vasos de barro, cestas de palha, etc.. Na arte africana sua escultura de barro e madeira, mascaras, objetos decorativos de uso diário, desenhos...Enchem hoje os museus da Europa.
Os povos do Golfo de Guiné possuem também uma cultura material bastante desenvolvida. São famosos os trabalhos em bronze do Benin, os cobres do Dohomei, os tecidos do Ashanti, as esculturas de madeira e os trabalhos de metal da costa do Marfim, do Dohomei e da Nigéria.
Todos estes povos trouxeram para o Brasil a sua arte e a sua técnica. Na indumentária, os panos vistosos, as saias rodadas, os xales da costa, os braceletes, argolões, etc.. usados pelos negros da Bahia tem procedência nigeriana.
Outras influências do Sudão muçulmanos como a rodilha ou turbante e miçangas e balagandãs originadas de Angola e do Congo, vem completar a figura típica da baiana, esta figura popular do Brasil e obrigatória nas escolas de samba. A pintura negra originaria transmitiu-se aos desenhos utilizados na ornamentação dos Pegis ou templos religiosos, bem como nas paredes das casas residenciais.
Os trabalhos de escultura em madeira, na Nigéria foram continuados na Bahia. Negros baianos, de legítima descendência ioruba, fazem suas esculturas de madeiras, geralmente ídolos do culto.
Os negros moçambiques eram hábeis ferreiros e transmitiram aos negros brasileiros suas heranças traduzidas na fabricação de belíssimos trabalhos em ferro. Também na fabricação de instrumentos de música a contribuição dos negros africanos foi sensacional. Já vimos, em outra parte do enredo, a série de instrumentos, de feitios os mais variados que são usados no Brasil. Na arquitetura houve as sobrevivências ioruba e angolense nas construções dos Pegis, ou casas de culto, ou na construção dos mocambos de barro batido, tipos de habitações populares, ainda hoje existentes no Nordeste brasileiro.
Estas qualidades inatas de artistas que possui o Negro brasileiro exercem profunda influência na história da arte no Brasil.
No principio foram reprimidos na execução de sua arte Por isso o negro não pode manifestar, no período colonial os seus pendores artísticos, escondendo as suas aptidões no recôndito das suas casas de oração, os seus pejis, onde se esculpia os ídolos africanos.
Uma figura das mais representativas da arte negra no Brasil foi Antonio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho arquiteto e escultor era mulato, filho de português e de uma escrava. Nasceu em Sabará, cidade do Sul da província de Minas e em Vila Rica, hoje cidade de Ouro Preto onde realizou seus principais trabalhos. Entre suas obras mais famosas estão os doze profetas da Igreja de Nosso Senhor de Matosinho em Congonhas do Campo. Trabalhava na solidão, apenas acompanhado de um negro, que o ajudava eficientemente. O Cristo do Aleijadinho e o único esculpido vivo querendo sair da Cruz. No mundo não há ssimilar.
Citamos ainda: o notável escultor mulato Francisco Chagas, conhecido como o Cabra, natural da Bahia, o mulato Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim (1750-1813 que enriqueceu as igrejas e jardins do Rio de Janeiro com sua arte delecada e perfeita; Pedro Américo na pintura entre outros. Citamos também Athaíde, pintor, santeiro, encadernador, criou o azul brasileiro.
O negro nas letras e ciência
Na literatura a influência do Negro foi riquíssima. Sabe-se que na África os negros possuem uma literatura oral, uma vasta série de contos, legendas e poesias heroicas ou locais, que tem sido colhida por muitos etnógrafos e folcloristas. Cada povo, cada tribo africana possui um grupo de indivíduos cuja função pela inexistência da literatura escrita e a conservação da tradição oral à semelhança dos trovadores e menestréis dos povos europeus, os autores anônimos da literatura popular.
No período da escravidão vamos encontrar os narradores de contos populares, a semelhança do Srokin ou do Akpalô de origem nigeriana. E não foram somente contos populares mas também adágios e provérbios, enigmas e adivinhos, forma satírica de ditos populares, poesia popular em geral. Os ditados populares hoje constituem uma ciência a paremiologia. Igualmente na poesia popular todo um folclore africano sobreviveu no Brasil, nos engenhos, nas plantações ou nas cidades. Entre estes citamos o folclore do Pai João que é um símbolo, é o Preto Velho dos engenhos, quase centenário figura trôpega fala enrolada e olhos mansos.
As Escolas de Samba de vez em quando retratam a figura do Preto Velho. Tem havido, no Nordeste, cantadores populares negros famosos: Inácio da Cantigueira, Teodoro Pereira, Manuel Caetano, etc..
O regime da escravidão, com toda a epopeia de um povo martirizado, criou uma literatura: a literatura da escravidão. Cantaram motivos de escravidão, na poesia entre outros Vicente de Carvalho, Luiz Guimarães, Raimundo Corrêa, na prosa Machado de Assis, José de Alencar, Aluizio Azevedo...Não podemos deixar de citar, com destaque Castro Alves (1847-1871) o grande verbo da poesia nacional, que enche todo o meio do século XIX. Tinha sangue africano nas veias. Foi cognominado “o Poet DOS Escravos”. “Poemas dos escravos”, as “Vozes d’àfrica” e o “Navio Negreiro”, são suas melhores produções poéticas. E também Cruz e Souza (1863-1898), que liderou o movimento simbólico da última década do século XIX. Cruz e Sousa era um poeta Negro que sofreu na vida os vexames decorrentes de sua cor. Deixou uma obra vastíssima e sua influência foi enorme. Um dos maiores romancistas do Rio de Janeiro foi Lima Barreto, negro. Há também uma plêiade de jornalistas negros da abolição como André Rebouças, José do Patrocínio, etc..
Na ciência e na filosofia o Negro e o mulato também muito se destacaram...André Rebouças, o grande líder abolicionista, negro, foi ainda um engenheiro notável. Matemático elaborou planos e realizou obras de vulto da engenharia nacional. Na filosofia tivemos Tito Lívio de Castro, Tobias Barreto, Farias Britos, grandes nomes que deixaram obras........Também Manuel Quirino, já citado por nós foi um estudioso da etnografia, dedicando-se ao estudo do Negro no Brasil. Na medicina
citamos Juliano Moreira negro já falecido, Evaristo de Moraes, um criminalista de renome, também era negro.
O negro como defensor do solo brasileiro
A história militar do Brasil, desde a colonização até nossos dias, tem a destacar nas suas páginas gloriosas a contribuição decisiva que trouxe o Negro. Nas lutas de Palmares, nas insurreições dos quilombos ou nos movimentos populares o seu sangue comprovou a fibra guerreira, a valentia e destemor e o tirocínio militar, que trouxe do continente negro,. Como símbolo do negro nas lutas pela defesa do solo brasileiro citamos Henrique Dias. Sobre ele escreveu Rocha Pombo: ”aquela grande figura de Henrique Dias, que tinha alma para comandar heróis, quanto não amargaria nos próprios momentos em que lutava por uma geração para a qual a cor ainda era um estigma que não havia heroísmo e grandeza moral que lavassem”. Foi Henrique Dias o grande chefe negro que mercê a sua coragem, contribuiu para a expulsão dos holandeses de Pernambuco.
O negro na arte culinária
Artur Ramos nos ensina que “foi o negro sudanês, principalmente, quem introduziu no Brasil o azeite de coco de dendê (elais gineensis), o camarão seco, a pimenta malagueta, o inhame, as varias folhas para o preparo de molhos, condimentos e pratos. E ainda modificou com seus processos a cozinha indígena ou portuguesa”. E se houve certa resistência do elemento branco para incorporar a sua cultura tais elementos africanos, essas barreiras cederam até que no século XIX, o caruru, o vatapá, o acarajé já se podiam considerar pratos nacionais.
Já várias comidas portuguesas ou indígenas foram no Brasil modificadas pela condimentação ou pela técnica culinária do negro, alguns dos pratos mais caracteristicamente brasileiros são de origem africana, a farofa, o quibebe, o vatapá. É na cozinha baiana que a herança do negro foi mais marcante. Não é somente do vatapá, do caruru, do acarajé, do efó, da moqueca que vive a cozinha baiana. Outros pratos baianos de influência negra: xinxin de galinha, siri mole, frigideira de camarão ou de siri , acaçá, abará, aberém, arroz haussa, feijão de azeite, quibebe, bobó de inhame, feijão de leite, escaldado de peru, efun-oguedê, sarapatel, mocotó, etc.. “ O certo é que sem o dendê, sem o camarão, sem a malagueta, não existiria a cozinha baiana. Sem a pedra de ralar, sem o pilão, a colher de pau, o alguidar, a panela de barro, todos da mais pura origem africana.”
Apoteose: Carnaval
“O fenômeno coletivo carnavalesco da Praça Onze é um conglomerado de todo um inconsciente ancestral. Ali se reúnem periodicamente, velhas imagens do continente negro que foram transplantadas para o Brasil. O negro evadido dos engenhos, e das plantações, e das minas, e dos morros...Vai mostrar na Praça Onze o seu inconsciente folclórico.”
È no carnaval que há uma verdadeira integração: “no carnaval os convencionalismos desaparecem de certo modo. E por mais dirigido que seja, o carnaval mostra-se uma festa em que as convenções cedem ao peso do realismo. Nestes três dias a humanidade aparece tal qual é na realidade. Surge sem complexos ou com eles à mostra, nessa catarse total. Há uma sociologia de carnaval, não resta dúvidas. Que o digam os mestres. Pelo menos o carnaval brasileiro com suas variantes regionais, com os aspectos particulares que oferece, no qual os preconceitos de toda a espécie se anulam no ombro a ombro da multidão desvairada, ao compasso ou descompasso do samba, nos saracoteios incríveis da coreografia da época. Nenhuma outra festa popular, em qualquer época, conseguiu, jamais o que o carnaval realiza em união social, em desvario coletivo, em contagiante delírio”.
Pretos, brancos, mulatos, cafuzos, caboclos vivem nos dias carnavalescos o mesmo gingar de corpos, cantando as mesmas músicas, dançando os mesmos passos, hoje de samba, ontem do maxixe ou da polca.
“As fronteiras, sempre tão nítidas das diferenças sociais, parecem desaparecer momentaneamente, cessarem durante os folguedos de Momo. Também não tem importância as idades, pois o reinado da folia não arregimenta soldados, contando seus dias de vida, não pede certidões de idade, não exige carteira de identidade, de atestado de boa conduta”.
“Não importam as convicções políticas ou filosóficas, nenhuma importância tem as religiões, os comportamentos sociais as certidões diversas. O carnaval exige apenas que seus vassalos a ele se entreguem simplesmente pelo amor à alegria, com vontade firme de brincar, pular e rir”.
Quer isoladamente, fantasiados de sujos, pierrots ou colombinas. Quer venham de palhaços, mascarados ou simplesmente de calção. De fantasias baratas ou envergando caríssimas vestimentas, nos cordões e blocos. Nas Escolas de Samba , nos ranchos e frevos, nas grandes sociedades, nas ruas e nos clubes, a palavra de ordem é uma só: alegria e integração.
E assim a União Imperial fecha o seu enredo. Uma crônica despretensiosa do Negro Brasileiro sua vida, sua glória.
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