Os índios
Maués habitavam as margens do Rio Tapajós, no Amazonas.
Houve uma
época de grande felicidade para a tribo, porque tudo era propício para
aqueles índios. A caça, abundante, dava a impressão de procurá-los ao
invés de ser procurada; os peixes congestionavam os rios e não se
furtavam à ponta afiada da lança dos pescadores; os frutos amadurecidos
que as mãos cansadas deixavam de apanhar, serviam de repasto à multidão
de aves que ali podiam viver em paz, tal o desinteresse que recebiam dos
índios, preocupados com caça mais rendosa.
Até o tempo
parecia desejoso de proporcionar o melhor bem estar àquela tribo
privilegiada; o Sol e as chuvas se alternavam em tão perfeito
equilíbrio, que havia muitos anos os índios não se preocupavam em olhar
o céu.
As doenças,
então, já estavam apagadas na lembrança de todos, e não havia mais
ninguém que solicitasse os serviços do feiticeiro.
E porque
isso acontecia apenas naquela região, enquanto o resto do mundo
continuava à mercê dos acontecimentos habituais do tempo e da vida?
A causa de
toda a felicidade, era um menino, um Curumim que, ao vir ao mundo,
trouxera com ele todos aqueles eventos de aventura. Era um menino-deus,
e da sua presença dependia a continuidade daquele paraíso.
É claro que
a sua segurança era motivo de grande preocupação. Era preciso que todos
zelassem para que nada de mal lhe acontecesse.
Jamais o
menino ficava sozinho. Se queria passear na floresta, experientes
mateiros o precediam e rodeavam, atentos ao menor ruído que denotasse a
proximidade de uma fera, os olhos perscrutando todos os recantos, na
tentativa de surpreender com a devida antecedência a presença do perigo.
Havia um temor constante de que fosse picado por cobra. Se desejava
nadar, os mais exímios nadadores da tribo o precediam para verificar se
estavam livres de piranhas, enquanto batedores experientes percorriam a
margem à procura de jacarés. Só então o menino-deus se entregava às
águas.
Mas havia
alguém que não gostava do menino. Era Jurupari, o espírito do mal. Sua
maldade não podia suportar a felicidade com que os índios tinham sido
contemplados; sua inveja consumia-o diante do carinho com que a criança
era tratada.
Apesar de
todo o cuidado que dispensavam ao menino, os Índios haviam se esquecido
de uma coisa muito importante: de ensinar-lhe o que era o perigo.
Jurupari,
invisível, passou a seguir os passos do menino esperando impacientemente
a oportunidade de realizar a sua maldosa intenção. Isso, porém, não era
fácil, diante de tanta precaução com que cercavam o menino.
Mas tudo o
que é humano, por mais perfeito que seja, tem sempre uma falha. E um
dia... um dia, o menino sentiu o desejo de fazer algo proibido.
Perto da
aldeia, várias castanheiras marcavam o início da parte menos explorada
da floresta. Os índios mais velhos contavam estórias estranhas sobre
seres fantásticos que ali habitavam. Havia muito que a imaginação do
menino o empolgava, incitando-o a explorar a região proibida. E nesse
dia, aproveitando a ausência dos guardiões, que o imaginavam dormindo,
sorrateiramente deixou a cabana e partiu em direção às árvores.
Jurupari,
ainda invisível, seguia-o exultante, pressentindo que era a oportunidade
pela qual tanto ansiava.
O Curumim,
chegado ás castanheiras, procurou a mais propícia à sua aventura e subiu
nela rapidamente. Ofegante pela rapidez com que agira e pela emoção da
aventura, perscrutou cuidadosamente a mata que se desenrolava adiante.
Mas oh! desilusão! Nada do que havia criado na sua imaginação surgia
ante os seus olhos curiosos. Desceu da árvore, desiludido pelo
insucesso. Rente ao tronco, Jurupari esperava-o sob a forma de uma
cascavel.
Ele viu a
cobra, mas ficou indiferente diante do perigo, pois não o conhecia. E a
cobra picou-o.
Surpreso, o
menino procurou correr até a aldeia, mas logo foi vencido pelo veneno,
caiu ao solo, e ali ficou até morrer.
Na aldeia
haviam descoberto a falta do Curumim, e se fizera a maior confusão entre
os índios, pois receavam que o pior tivesse acontecido. E todos que
podiam andar espalharam-se freneticamente pela região à procura do
menino.
Não demorou
muito para que um grupo de índios retornasse com o pequeno corpo. Tão
logo todos compreenderam que o irremediável acontecera, tomaram-se de
desespero, e inconsoláveis se lamentavam.
- Agora -
disse o pajé - voltaremos a ser um povo comum. Estaremos sujeitos à
fome, às doenças, às intempéries. Nossa felicidade terminou com a morte
de Curumim.
Foi aí que a
voz de Tupã, o Deus dos Índios, se fez ouvir. De início, parecia o
ribombar do trovão, mas logo as palavras se destacaram, tornaram-se
claras, e os índios entenderam:
- Plantem os
olhos do menino e reguem a terra com as lágrimas. Deles nascerá uma
planta que dará frutos milagrosos. Serão os frutos da vida. Darão força
aos jovens e rejuvenescerão os velhos.
O pajé
plantou os olhos do menino, e lágrimas não faltaram para regar o pequeno
pedaço de terra onde eles estavam enterrados.
Passados
alguns dias, uma planta desconhecida rompeu a terra, e cresceu com tal
força e exuberância que os índios não tiveram dúvidas: a promessa de
Tupã transformava-se em realidade.
Mais alguns
dias, e a planta deu frutos. Os índios partiram-nos e ficaram
impressionados diante da semelhança com os olhos do menino.
Foi assim
que nasceu o guaraná. Uma planta que procura alcançar as árvores
próximas, lembrando a fatídica aventura do menino morto por Jurupari.
E seus
frutos fortaleceram os jovens e rejuvenesceram os velhos, e eles puderam
vencer as dificuldades, mantendo a prosperidade da tribo.
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