Para o carnaval 2008 a Escola de Samba Tradição Albertinense resgata a história e a origem de um dos maiores redutos da comunidade negra da cidade de São Paulo, local de grandes festividades religiosas, marco de atividades abolicionistas e movimentos culturais nas irmandades: o Bairro da Liberdade.
No final do século XIX os escravos de ofício ou de ganho, somados aos escravos domésticos, partiam para conquistar seu primeiro e pequeno espaço no centro urbano paulistano em transformação: a rua.
Durante os encontros nas ruas os negros podiam entoar certos cantos de trabalho como sempre fizeram nas lavouras ou nas atividades mineradoras, ou improvisar batucadas e danças ao final do dia de trabalho. Alguns pontos de encontro se formaram, como no Largo do Rosário, local de comércio dos vendedores de quitutes, defronte às igrejas na Rua São Bento, onde puxavam as ladainhas, ou no chafariz no Largo da Misericórdia, onde buscavam água. Portanto, a primeira conquista de seu próprio espaço o negro a obteve nas ruas, território público e desvinculado da casa do senhor, onde podia circular com certa autonomia.
Além das ruas, os negros tornaram as irmandades espaços onde poderiam exercer, também com certa autonomia, suas práticas e experiências culturais. Irmandades como a de Nossa Senhora do Rosário ou Nossa Senhora dos Remédios eram instituições religiosas católicas negras, que serviam de pontos de encontro informais para a prática de rituais religiosos, naturalmente de caráter sincrético, e em geral realizados após os dias de festa do calendário cristão, quando se podia escutar o batuque e ver certas danças. As irmandades também prestavam serviços à comunidade negra, arrecadando fundos de emancipação ou entrão recolhendo ex-escravos sem moradia.
A partir do novo Código de Posturas de 1886, o Poder Municipal tenta obstruir determinadas atividades na região central, na tentativa de embelezá-lo de acordo com certos critérios estéticos europeus. Ficam proibidas as atividades comerciais das quitandeiras ou das quituteiras, os negros são impedidos de trabalhar ou cantar nas ruas, transferem-se os mercados para regiões mais distantes, o carnaval e as festas ficam limitadas.
Por conta da imigração ou pelas subvenções do Estado, a população negra paulistana é violentamente reduzida e isolada em locais mais distantes e obscuros da cidade.
Na passagem para o século XX a região da Liberdade começou a se caracterizar como uma área de população predominantemente negra e como reduto de escravos fugitivos ou abolicionistas. O que antes era local de suplícios e castigos públicos começa a mudar.
Eram redutos abolicionistas a Igreja dos Remédios, que recolhia escravos fugitivos, as casas de Antonio Bento, Juca Frade e João Mendes Gama.
A região era rica nas manifestações e festas populares religiosas, que ocorriam com bastante freqüência, sendo a mais famosa delas a Festa da Santa Cruz, na Igreja dos Enforcados. Inicialmente era uma festa tímida e celebrada por alguns abolicionistas. Mais tarde ganharia contornos de uma grande festa popular.
As festas religiosas continuariam sendo fundamentais para as manifestações dos negros, principalmente para o samba, que ganhava sua forma urbana. Em 13 de maio as festas se espalhavam pelo bairro, onde se ouvia samba-de-bumbo, onde também havia samba-lenço, samba de rosa, tambu e umbigada.
Nesse ritmo os negros da Liberdade viravam a noite do dia 12, cantando, dançando e tocando até amanhecer o dia 13.
Assim, o bairro segregado não é apenas um lugar no espaço da cidade, mas é o próprio grupo social que o ocupa e com ele se identifica.
Com o tempo o Bairro da Liberdade teve suas características alteradas. Porém a história não pode ser apagada ou definitivamente esquecida. Liberdade, um bairro negro brasileiro.