Somente a maior entre todas as festas poderia ser cenário da comemoração de algo tão grandioso quanto a liberdade.
A Acadêmicos do Jaraguá festeja seu carnaval comemorando os 120 anos do transcorrer do processo de abolição, convidando a todos para participar do sagrado banquete dos Orixás.
Venham todos participar do Ajeun, venham transformar o prazeroso ato de comer em um ato sagrado.
Nosso enredo mostrará as oferendas de alimentos feitas aos orixás e como estas influenciam a vida dos homens. Por estarmos em um momento de extrema alegria e comemoração, e por não considerarmos a avenida o espaço adequado para polêmicas, nos ateremos as oferendas de origem mineral e vegetal. As oferendas de origem animal serão representadas de forma sutil em nossa alegoria. Os animais serão divididos em dois grupos, os que são oferecidos como alimento, por serem portadores de axé como a Angola, Etú e o caracol, Igbin, etc, e os que são símbolos da força dos orixás como por exemplo o elefante, Erin, o leopardo, Êkun entre outros da fauna africana.
Inu Mi Dun, esta expressão africana traduzida ao pé da letra significa barriga minha doce, esse termo tem como real significado a expressão estou feliz. Ajeun, conjunção do verbo je, comer, mais a partícula ('n) que indica o gerúndio do verbo. Na língua yorubá temos a palavra comendo mas no meio religioso afro brasileiro esse termo significa comida, alimento.
Pela relação entre o alimento e a felicidade, saúde, prosperidade, paz e tudo o que dá satisfação e bem estar ao homem, e pelo conceito africano que prega que só se chega aos Orixás através da plena satisfação, a Acadêmicos do Jaraguá apresenta no seu enredo a ponte entre os homens e os deuses.
Ao oferecermos os alimentos aos Orixás não estamos fazendo uma simples e vil barganha onde ofertamos os alimentos em troca de saúde, amor, etc. Se assim pensarmos, estaremos desprezando a grandeza dos Orixás. Os deuses não necessitam desses alimentos. O que torna os alimentos sagrados e dignos de serem ofertados são as energias que eles contém e que podem ser agregadas a vida do homem. Os alimentos se tornam a ponte de ligação entre os Orixás, os homens e o axé que estes necessitam.
Cada alimento carrega em si uma energia que manipulada através do ófós (encantamentos e rezas) e dos atos litúrgicos, agrega à existência dos homens os axés que harmonizam suas vidas, fortalecem suas virtudes, findam com suas fraquezas, enfim, os torna capazes de solucionar seus problemas e realizar seus objetivos.
Conclamamos respeitosamente os antigos espíritos ancestrais, que tanto lutaram pela Liberdade, para que estes anunciem por todo o mundo e entre todos os homens o início da nossa festa.
Abriremos nosso desfile homenageando a África, solo sagrado, berço da humanidade onde floresceram grandes civilizações. Exaltaremos seus minerais, vegetais, animais e seus homens. A cultura, a arte e religião destes homens serão a base do nosso enredo. Pela grande variedade de espécies de seres vivo e pela multiplicidade dos povos, nos ateremos aos animais sagrados, e as tradições e cultura de um dos povos que entre muitos formaram a cultura brasileira, e o próprio povo brasileiro, os Yorubás.
Através dos cânticos sagrados entoados pelas sacerdotisas, as Iyalorixás, nossas grandes mães, e pelo soar dos tambores sagrados, tocados pelos Ogãs Alabes, evocamos os orixás para que estes venham trazer alegria e axé para nossa festa.
Ao se falar de festa, pensamos em alegria, música, canto, dança: ao se falar de festa pensamos em comida. Na festa dos orixás as pessoas encarregadas das comidas são mulheres especiais, as Iyabasses. Guardiãs dos segredos da manipulação dos axés dos alimentos essas mulheres são responsáveis pela preparação do Ajeun.
Antes de qualquer ato religioso os yorubás saúdam o Aye, a Terra, que é a condição maior da vida e da existência humana. Esta saudação é feita através do derramamento de água no solo.
Começaremos assim nossas oferendas, trazendo a água, Omi, fonte de vida, mantenedora da existência dos seres vivos, o elemento que traz o axé da multiplicação, da purificação, da resistência, da invulnerabilidade e da serenidade, a água faz a vida dos homens ser notável.
Seguindo nosso ritual, ofertaremos o Êpo, dendê, azeite extraído do fruto da palmeira que tem o axé de harmonizar, serenar, dinamizar e facilitar a vida dos homens e tudo que se relaciona a ela.
Dentre as oferendas duas das mais importantes são o Obi e o Orogbo.
O Obi, noz da cola, é o elemento que estabelece a ponte de ligação direta entre os homens e os deuses, e entre os homens com os seus destinos, afasta o sofrimento, o azar, traz graça e sabor a vida.
O Orogbo carrega em si o axé da longevidade, assim como o Obi, faz a vida ser boa ter sabor e graça.
O Sal, Iyó, princípio físico da vida tem o axé da preservação, mantém, preserva todos os axés e energias dos alimentos, também é um elemento de purificação.
O Otin, a bebida alcoólica e transparente, geralmente gim ou aguardente, é ofertada como o elemento que faz com que os homens consigam ter forças para terminar seus projetos, suas obras, transformem seus sonhos em realidade por mais difíceis que sejam, também é usada como forma de sacratizar as oferendas.
Os alimentos doces, Dun; o mel, Oyin e a cana de açúcar, Ireke, trazem doçura e alegria a vida, afastam a tristeza e a depressão, nos colocam em contato com as energias do amor e do dinheiro, esses alimentos são apreciados principalmente pelos Ibejis orixás gêmeos, que protegem as crianças, os homens bondosos e os apaixonados.
Assim como os doces todas as frutas, principalmente a banana, Ogede e a laranja, Osan ou Bó, trazem aos homens o axé da prosperidade, do amor e da alegria.
Os alimentos ofertados podem ser cozidos, fritos ou torrados. Quando passam pelo axé do fogo, Inã, intensificam, potencializam suas energias e agradam aos paladares. Vale registrar que para os Yorubás os deuses comem pelos olhos e pela boca dos homens.
Ixu, o Inhame, apreciado por muitos Orixás, é o alimento preferido de Ogum deus do pregresso, carrega em si o axé da resistência e fortalece nos homens o poder das conquistas.
Ilá, o quiabo com ele se faz o Amalá, alimento sagrado de Xangô. O quiabo dá aos homens o axé da justiça, da longevidade e da prosperidade, devolve aos seres a nobreza, a realeza perdida durante a vida.
O Ata Pupa (Pimenta Vermelha) e o Ata Ayre ou Re (Pimenta da Costa), quando ofertadas sacratizam as oferendas, quando comidas ou usadas como tempero fazem externar a força interior os talentos natos dos homens, resgata o que o homem tem de melhor dentro de si. O Ata Re quando mastigado dá força a palavra, atrai sorte e prosperidade, faz com que encantamentos e pedidos se realizem.
Éwa, o feijão é o alimento que tem o axé da multiplicação, aumenta a sorte das pessoas e ativa a capacidade de atração dos homens. Com esse sagrado grão são feitos pratos como o Omolocum da Oxum, alimento do amor e do dinheiro e o Akará ou Acarajé, alimento que agrada a praticamente todos os orixás, mas é a principal oferenda de Oya, Iansã. O Acarajé traz prosperidade, saúde e afasta as maledicências da vida de quem os oferece ou os come.
Agbado, o milho, todos os tipos de milho possuem o axé da multiplicação e da prosperidade em abundância. Torrados ou cozidos são ofertados aos caçadores como Oxóssi, Ogum e ao deus das folhas Ossaim. A pipoca, Agbadookayanganoka ou Gboru é ofertada a Obaluayie, senhor da saúde, e traz exatamente esse axé, a cura e o fim dos sofrimentos físicos.
Ebo, a canjica é o alimento que aumenta o equilíbrio dos homens, traz calma e serenidade, multiplica a sorte e a força interior, neutraliza energias negativas e atrai tudo o que há de bom sobre a Terra, é o alimento preferido de Oxalá. Com a canjica se faz o Ecó (acaçá), alimento sagrado que também agrada a todos os deuses. O Ecó além de agregar o axé da canjica, neutraliza as energias negativas.
São ofertadas aos Orixás praticamente todas as folhas, Ewe. Cada Orixá tem folhas específicas, porém algumas são evitadas por serem contraídas ao seu axé. As folhas são ofertadas algumas como alimento, outras como oferenda em sua forma original, como folhas simplesmente. Não poderíamos deixar de mencioná-las porque segundo a tradição dos Orixás: Ko Si Ewe Ko Si Orisa, Sem Folha Não Sem Orixás.
A Acadêmicos do Jaraguá nos trouxe a música, o canto, a dança, os alimentos sagrados e folhas. Agora nos traz os Orixás, encerrando nosso desfile e nos abençoando por todos os dias de nossas vidas.
Agradecidos por sermos homens livres e atentos ao contínuo processo de conquista da Liberdade, desejamos a todos vocês bom carnaval, bom divertimento e muito Axé!