Depois de muito
pensar, tentando imaginar um enredo para o próximo
Carnaval, sem nada conseguir, o sambista, cansado,
fecha os olhos, adormece e sonha.
É Carnaval. Agora em
plena passarela de desfile, o sambista é tomado
subitamente por um maravilhoso clima de alegria; a
empolgação e o calor do público presente o faz
transbordar de emoção. Animado, já consegue
vislumbrar sua Agremiação a desfilar, com lindas
fantasias coloridas. Passeia seus olhos pelas
diversas alas, de gente bonita a movimentar-se com
alegria, cantando e dançando em harmônica evolução;
passa pela bateria de ritmo quente e bem marcado, e,
sorrindo sempre, acaba deparando-se com o pavilhão
do Bloco, cintilante.
Percebe então que em
todas as posições de destaque está presente a figura
da mulher: conduzindo o estandarte com elegância,
sambando com graça e leveza nas alas, desfilando com
todo esplendor nos carros alegóricos, ou
simplesmente trabalhando com afinco na harmonia do
desfile. O sambista então constata que, embora tão
diferentes entre si, todas essas mulheres têm algo
em comum: a dedicação e o carinho em tudo o que
fazem, sem perderem a doçura jamais.
O Carnaval, festa de
todos, reúne mulheres de todas as origens, de todas
as raças, de todas as classes sociais, e em cada uma
delas o sambista vê a imagem de sua musa. Finalmente
encontra aquela que será só sua, dona do seu
coração.
Ao aproximar-se dela
para declarar o seu amor, desperta do seu sonho, e,
extasiado, com os olhos radiantes e um sorriso de
incontida satisfação, toma sua decisão:
- "Nosso Bloco neste
carnaval será todo alegria e empolgação, e, feito
Olimpo, homenageará a mulher, musa de todos nós,
transformando-a em deusa do carnaval, da poesia e do
amor. Nosso canto será todo dedicado à mulher,
sublime criação da natureza, presente em todas as
camadas sociais - ei-la nos castelos e palácios,
dama, princesa a reinar garbosa; lutadora doce e
meiga das classes menos abastadas, até os barracos
nas favelas, a acolherem-na feminina, cheia de luz e
vida. Mulher, elo de amor e harmonia entre os
homens, a construir um mundo melhor e mais humano.
Sempre sábia, sem deixar de lado a sensualidade e a
beleza. Eis o enredo... é isto".
Sonhando acordado, ele
é agora o poeta apaixonado a declarar o seu amor,
como o Arlequim, amante, e como o Pierrô, menino
sonhador. Só quer amar, e vê no desfile o momento
ideal para tentar ganhar o coração de sua adorada
deusa-mulher.
Sambista vai além, e
imagina todos os artifícios para conquistar a sua
amada desejando oferecer-lhe uma vida luxuosa, vê
nos jogos das loterias a solução para obter fortuna
rápida - embora, no seu coração, saiba que mesmo sem
dinheiro é plenamente possível vivenciar-se um
grande amor e ser feliz de verdade.
Muito bem, a
declaração está feita: agora, na avenida, ele
aguarda, esperançoso e com o coração cheio de
alegria, que sua querida atenda aos seus apelos,
convidando-a a esquecer a quarta-feira de cinzas e a
viver, ao seu lado, para sempre, este lindo sonho de
amor.