…Quando, num terreiro de candomblé, numa roda de samba ou num ensaio de escola de samba, o coração bate mais forte, a pele arrepia, dá vontade de dançar e uma felicidade irradiante toma conta de você… Isso é Ayọ!
Desenvolvimento do Enredo
Setor 1
Xangô Liberta… O Corpo Balança, a Alma Revela… Axé, Ayọ!
Setor 2
Oyá Traz… Heranças Negras: O Semba Encontra o Novo Mundo!
Setor 3
Oxumaré Espalha… Da Lendária Bahia à Praça XI: A Luz de Ciata, a Tia do Brasil!
Setor 4
Omolú Transforma… “Pelo Telefone” o Brasil Revela: Eu Sou o Samba!
Setor 5
Ogum Eterniza… É Comunhão, É Escola, É Samba!
Apresentação do Enredo
Sob a luz do carnaval, o G.R.C.E.S. Mocidade Alegre – eterna guardiã da cultura e das heranças afro-brasileiras – pede agô a todas as forças do céu, da terra e da vida para exaltar o maior fundamento de sua existência: o Samba!
Buscando as raízes mais profundas do ritmo que simboliza o país encontramos, nas matrizes africanas, Ayọ: força ancestral liberta de um tambor por Xangô. Por sua vitalidade intensa e fascinante, presente nas celebrações e nos rituais, Ayọ foi consagrado na África Ancestral como o orixá do som e da música!
A presença de Ayọ pode ser sentida por todos: a partir do momento em que um tambor é tocado, seu som reverbera e mexe com nossos sentidos, pois o coração bate mais forte, a pele arrepia, dá vontade de cantar, de dançar, de ser feliz…
Ayọ foi liberto por Xangô. Trazido ao Brasil pelos ventos de Oyá, foi espalhado por todo o Brasil pelo arco-íris de Oxumaré, fazendo os tambores ecoarem em diversos ritmos que se dialogam. Omolú, senhor da Terra e suas entranhas, aqui o transmutou para que surgisse o samba: voz do povo brasileiro e símbolo de um país. Ogum, grande protetor do povo brasileiro e dos sambistas, zela para que o samba tenha alegria, comunhão e garra, o eterniza!
Que rufem os tambores – com alma, com raça, com vibração – para que seja sentida por cada coração a força de Ayọ… A Alma Ancestral do Samba!
Axé, Família Mocidade Alegre!
Sinopse do Enredo
Setor 1 – Xangô Liberta… O Corpo Balança, a Alma Revela… Axé, Ayọ!
“Podemos sorrir
Nada mais nos impede
Não dá pra fugir
Dessa coisa de pele
Sentida por nós…”
(Jorge Aragão, “Coisa de Pele”)
Foi há muito tempo, tanto e quanto já perdido na imensidão dos primórdios da existência, ainda na África Ancestral, que um dos maiores reis que viveram na Terra – Xangô – deparou-se com um pequeno tambor. O rei ficou intrigado com o formato daquele objeto. Sua intuição lhe assegurou que aquele tambor, fechado em cima e em baixo, escondia algo. Exu lhe avisou: há um irmão nosso preso aí dentro, e somente o seu oxé, com o poder do trovão e a força da justiça, poderá soltá-lo.
Foi em um grande festejo em sua homenagem que Xangô golpeou o tambor com seu poderoso oxé. Sob o coro de seus súditos que faziam uma linda dança tribal, o rei golpeou o tambor, que partiu-se e revelou seu segredo: dentro dele, estava aprisionado Ayọ, criatura divina da linhagem dos mais puros orixás, com a importante missão de movimentar-se através do ar para propagar a alegria através da arte do som… Do som nascia a música… Canto e ritmo unidos no dom de inebriar a alma e balançar o corpo!
Uma vez liberto, Ayọ consagrou os tambores de diversos povos de Mãe África, que tornaram-se porta-vozes de seu axé e passaram a ter o som poderoso como o trovão. Uma vez tocados, enfeitiçaram homens e deuses que, tomados pela sua alegria, se entregam às mais sublimes expressões da felicidade: cantar e dançar.
O destino de Ayọ será zelado por mais quatro divindades encantadas: Oyá, que o levará para outro continente; Oxumaré, que espalhará seu axé pela imensidão do território; Omolú, que o transformará em símbolo de uma nação e Ogum, que o eternizará.
Da justiça de Xangô, a sua liberdade… Kaô Kabecilé!
Com sua força o corpo balança, a pele arrepia, a alma revela… Axé, Ayọ!
Setor 2 – Oyá Traz… Heranças Negras: O Semba Encontra o Novo Mundo!
“Isso é pra te levar no ilê
Pra te lembrar do badauê
Pra te lembrar de lá
Quem tem santo é quem entende”
(Carlinhos Brown, “Muito Obrigado, Axé”)
Quis o destino que Ayọ, a alma do som dos tambores, se espalhasse pelo mundo, conquistando novos horizontes e conhecendo outros matizes. Quem recebeu a missão de cruzar a imensidão dos céus e conduzir sua magia até as terras virgens dos trópicos foram os tempestuosos ventos de Oyá Iansã.
Desbravando mágicas e alvas nuvens, uma revoada de pássaros cruzou o grande mar, aportando assim no Mundo Novo. Trouxe consigo a energia de Ayọ, que aqui chegou sob as bênçãos de Oyá.
Tanta energia, intensa e vibrante, esteve presente nas heranças negras das mais diversas etnias que aqui chegaram e fincaram raízes – Haussás, gêges, iorubás, nagôs, do Daomé, de Angola, de Kabinda, de Benguela, do Congo… É a negritude!
Ayọ fez propagar no portal encantado do Mundo Novo, a Sagrada Bahia, os cantos da terra, os cantos da guerra, os sons da reza e do prazer. Presente em noites de festa, em dias de guerra, em todos os tempos, ordena: que rufem os tambores, que entoem brados de amor, que ecoem eternamente as vozes da alegria…
É Ayọ, a alma ancestral dos tambores, quem diz…
Foi Oyá Iansã, a senhora dos ventos e das tempestades, quem trouxe… Eparrei, Oyá!
Setor 3 – Oxumaré Espalha…Da Lendária Bahia à Praça XI: A Luz de Ciata, a Tia do Brasil!
“Esta dança é buliçosa
Tão dengosa que todos querem dançar
Não há ricas baronesas nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar…”
(Chiquinha Gonzaga, “Corta Jaca”)
Oxumaré, leve e incontrolável como um arco-iris, astuto e respeitável como uma serpente, espalhou o axé de Ayọ por todo o Brasil: na forma de cantos que acalentavam o sofrimento do trabalho pesado nesse novo continente.
No interior, os mineradores passavam o dia cantando seus vissungos, rezando para achar as pedras preciosas e sonhando com a liberdade, sempre acompanhados pela magia hipnotizante dos tambores e pelos cantos em louvor aos seus deuses que habitam os dois mundos: África e Brasil!
Nas cidades, a redenção da liberdade viu os tambores embalarem o canto dos pretos novos livres nas Minas Gerais, em São Paulo, em Pernambuco, no Maranhão, e no Recôncavo Baiano, mas foi no Cais do Valongo, dos marinheiros e estivadores na Pedra do Sal, e suas rodas de batuque e de jongo na cidade do Rio de Janeiro, que Ayọ foi lindamente acolhido nos terreiros urbanos.
As vozes libertas entoaram a reza e as festas lá na Praça Onze, onde se dançava o “semba”, berço da mais pura linhagem negra no coração da capital desse país menino.
É um canto livre que paira no ar, é a força da cor no clarão do luar!
É a energia de Ayọ reluzindo o brilho de Ciata, a tia do Brasil… Arroboboi, Oxumaré!
Setor 4 – Omolú Transforma… “Pelo Telefone” o Brasil Revela: Eu Sou o Samba!
“Eu sou o samba
A voz do morro
Sou eu mesmo sim senhor
Quero mostrar ao mundo
Que tenho valor”
(Zé Kéti, “A Voz do Morro”)
Omolú, senhor da Terra e suas entranhas, com seu poder infinito de transformação, garantiu que todos os tambores do Brasil, com sua força de comunicação, se reconhecessem na força ancestral de Ayọ.
Batuques sagrados de axé nos terreiros, de romaria e de congada… Batuques profanos de semba, de lundu, de capoeira… Inebriados da mais pura magia do canto e da dança, seduziram e encontraram outros ritmos vindos de outros cantos do mundo: a polca, o maxixe, o chorinho… O que essa mistura vai dar? Vai dar samba!
Já foi marginalizado e visto com preconceito. Mas, por suas origens negras de garra e luta, a força do samba venceu barreiras, superou os preconceitos e conquistou o Brasil e o mundo.
O samba é a mais pura tradução da força vital de Ayọ… Por sua história, suas conquistas, sua originalidade e por ser um ritmo que traduz o sentimento, o jeito de ser, a essência do povo brasileiro, tornando-se a mais genuína expressão de uma gente alegre e faceira.
O primeiro samba gravado como tal? Chamava-se “Pelo Telefone”. O primeiro desse ritmo que se transformou na “Voz do Morro”. Pelo Telefone o Brasil revela: Eu sou o samba!
Omolú transformou… E na transmutação de cantos, danças e ritmos, dá licença, eu tenho nome… Eu sou o Samba!
Atotô!
Setor 5 – Ogum Eterniza… É Comunhão, É Escola, É Samba!
“Meu samba tem muito axé
Quer ver, vem dizer no pé
Escute o som dos tantãs
Tem samba até de manhã
(…)
Vem ver o meu povo cantar
Vem ver, o meu samba é assim
(…)”
(Xande de Pilares, Arlindo Cruz, Mauro Jr., “Samba de Arerê”)
Pelas forças de Ogum, orixá guerreiro protetor do povo brasileiro, o samba não parou de se renovar, de sempre voltar, cada vez com mais força. Nasceram as primeiras escolas de samba, que passaram a ser a expressão máxima do maior carnaval no Brasil e no mundo.
Escola de samba é algo que defendemos e lutamos pra colocar no mais alto patamar de nobreza que ela merece, para o mundo ver! Nosso samba não é só de avenida… A gente quer samba o ano inteiro!
Ayọ também está no ritmo envolvente dos pagodes, do partido alto, das rodas de samba!… Seja nos terreiros, nos quintais, nas avenidas, essa força infinita garante: O show tem que continuar!
Despertando paixões, embalando multidões, levando alegria, magia, poesia a milhões de corações, o samba é forte, é guerreiro… A identidade do povo brasileiro!
E hoje, o tambor do samba é o nosso coração, que marca o ritmo puro dessa contagiante alegria… Afinal, nossa festa é família, comunhão, é escola!
A nossa força é a energia que vem de Ayọ – A alma ancestral do samba!
Oguniê… Atacuriô!
Axé, Ayọ!!!
GLOSSÁRIO
Ayọ (Ayô) – Palavra iorubá derivada de “Ayom Poolo”. Diz uma lenda africana que Xangô libertou Ayom ao partir um tambor ancestral com seu oxé (machado), possibilitando a propagação do som, o que originou a música.
Ayó – Palavra iorubá que significa “alegria, felicidade”.
Agô – Palavra iorubá que significa “licença, permissão”.
Axé – Palavra da língua iorubá que significa energia vital, bons fluidos.
Exu – Orixá da comunicação, da conexão, o que fecha ou abre os caminhos.
Xangô – Orixá da justiça. Rei de Oyó.
Oxé – Machado de duas lâminas, ferramenta de Xangô que simboliza a justiça.
Orixás – Divindades africanas intermediárias entre Olorum (o Criador) e os seres vivos. Dos mais de 400 orixás, pouco mais de 20 são conhecidos no Brasil.
Oyá – Um dos nomes do orixá Iansã, deusa dos ventos.
Oxumaré – Orixá hermafrodita simbolizado pela serpente e pelo arco-íris, ligado à riqueza.
Omolú – Conhecido como “Obaluayê Velho”, diferencia-se deste pela idade e por ter como cores apenas o preto e o branco. Senhor dos mistérios da vida e da morte, é um dos mais respeitados orixás.
Ogum – Orixá ligado à guerra, às batalhas, à proteção dos lares, protege os soldados, os pais de família e a todos que se consideram “guerreiros”.
Semba – Palavra da língua Kibundo (Angola) que significa “umbigada”. Ritmo dolente, com uma dança de pares sensual, ao som de tambores. Origem da palavra “samba”.
Cais do Valongo – Antigo porto e mercado de escravos no Rio de Janeiro.
Pedra do Sal – Local do bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, onde os negros libertos faziam rodas de batuques e capoeira. Pelo grande número de habitantes negros, a região era chamada, também, de Pequena África.
Praça Onze – Tradicional centro de cultura popular no século XIX, era e é um dos principais palcos do carnaval: é o local onde hoje se encontra a Rua Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro.
Ciata – Tia Ciata, nascida na Bahia, era a mãe-de-santo de um terreiro de candomblé na Praça Onze Seu terreiro também servia como centro cultural, onde intelectuais e artistas populares faziam experimentações musicais que originaram o samba como conhecemos. Entre os freqüentadores de sua casa, estavam Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Donga e Sinhô. Foi em sua casa que surgiu a primeira escola de samba, a Deixa Falar, formada por homens vestindo as saias rodadas das filhas de santo. Todas as alas de baianas, obrigatórias em qualquer escola de samba, são uma homenagem a Tia Ciata.
Lundu – Ritmo que misturava instrumentos africanos e portugueses, muito popular no Rio de Janeiro do século XIX. A dança, sensual, misturava o cortejo do minueto com a irreverência das umbigadas do “semba”.
Polca – Dança de salão, com ritmo originário da atual República Tcheca. Fez sucesso no Brasil em meados do século XIX, também conhecido como agarradinho, influenciou a criação do samba, principalmente o de gafieira.
Maxixe – Também conhecido como tango brasileiro, tem um andamento mais acelerado que o tango tradicional, foi o grande ritmo popular brasileiro no início do Século XX, a Belle Époque. Teve forte influência na criação do samba brasileiro, sendo que o primeiro samba considerado como tal, “Pelo Telefone” (1916), pode ser facilmente reconhecido como um maxixe.
Chorinho – Nome popular do choro, primeiro ritmo urbano original do Brasil (Século XIX). Dele, o samba herdou o cavaquinho, o violão 7 cordas e o pandeiro. |