"Eu cantarei a Terra, Mãe de todas as coisas.
Inabalável ancestral do mundo. Origem de tudo
que se arrasta sobre o solo, nada no mar, voa no ar.
De ti, augusta deusa, nascem as belas crianças e os
belos frutos, pois tu lhe dás ou retiras a subsistência
segundo tua vontade. Da riqueza que espalhas, na
abundância de teu coração, o homem retira todas
as coisas: a colheita que enche os campos e o gado
robusto que lá prospera..."
Homero
Desde os primórdios da civilização o homem usou os recursos naturais para subsistir. Ao perceber que as sementes das plantas que usava para se alimentar germinavam quando caíam em solo apropriado, e que a água que caía do céu era o elemento que a fertilizava, ele concluiu que a chuva que desce do alto era um fluxo de esperma enviado pelo deus do céu, o princípio masculino, para fecundar a deusa terra, o princípio feminino. Sem entender a força natural que da TERRA fluía, em sua ingenuidade ele tentou desvendar os mistérios da Grande-Mãe, explicando sua origem e o milagre da vida.
Segundo os hindus o criador do mundo, Brahma, nasceu de uma flor de lotus e criou as águas, onde depositou sua semente. Essa semente transformou-se em um ovo de ouro, resplandescente como um astro de mil raios. Com seu pensamento Brahma dividiu-o em duas partes, formando com elas o Céu e a Terra, que era sustentada por elefantes cujos movimentos causavam os terremotos. Andavam sobre uma tartaruga gigantesca, encarnação do deus Vishnu, a qual descansava sobre uma cobra gigantesca, personificação da água.
Os assírio-babilônios acreditavam que no princípio existia Apsu, o oceano tumultuoso, de cujas águas confundidas saiu a deusa Tiamat, na forma de uma serpente gigantesca, masculina em cima e feminina embaixo. Marduk, o mais honrado dos deuses, divide em dois o corpo de Tiamat, fazendo da metade superior o Céu e da metade inferior a Terra.
Os egípcios acreditavam que os germes de todas as coisas repousavam no seio de Num, o caos, onde se achava o deus-sol Aton, que se ocultava num botão de lótus. Cansado da imobilidade, ele elevou-se luminoso acima de Num e criou os deuses e a Terra..
Para os gregos no princípio era o caos, espaço aberto e abismo sem fundo. Da organização do caos surgiu a primeira realidade sólida: GAIA, a Terra. Ela sozinha criou Urano, o céu estrelado, ao qual se uniu para gerar todos os deuses. Deméter será a deusa da terra cultivada, matriz universal e mãe do grão, que ensinou ao homem a arte de semeá-lo, colhê-lo e fazer o pão.
Na mitologia romana Cibele era a divindade da terra, a "Tellus Matter", mãe de todas as coisas e geradora dos fenômenos naturais. Venerada como sacra deusa, ela passava gloriosa em seu carro puxado por leões, e as tempestades eram a manifestação de suas forças.
Segundo a Gênese, Deus criou os céus e a terra. No princípio a terra estava informe e vazia. Então o Criador fez com que a terra produzisse ervas e árvores frutíferas, e seres vivos segundo a sua espécie. E do pó da terra fez o homem, para multiplicar-se e reinar sobre todos os seres.
As tradições afro-brasileiras explicam que no princípio havia o caos, até que o deus-supremo Olorum deu vida a Oxalá, o princípio masculino, e Oduduá, o princípio feminino. Olorum deu a Oxalá o “saco da criação”, contendo as forças necessárias para a criação do mundo. Esquecendo os preceitos Oxalá bebeu vinho de palma do dendezeiro e adormeceu bêbado. Surgiu então Oduduá que lhe roubou a sacola mágica, criando o mundo antes que ele despertasse. Ao acordar, Oxalá foi castigado por Olorum, que o proibiu para sempre de tomar vinho de palma e de usar azeite-de-dendê. Recebeu, porém, um prêmio de consolação: uma argila para modelar formas, com a qual criou os seres humanos.
Mas o homem, evoluindo, descobriu através de estudos científicos que a Terra se formou após uma explosão gigante ocorrida há 20 milhões de anos. Incontáveis nuvens de gás e de poeira cósmica, pela força da gravitação começaram a se concentrar ao redor de diversos núcleos, formando diversas bolas de fogo. O núcleo central deu origem ao Sol, e os demais, esfriando, se transformaram em planetas, entre eles, a Terra. E durante milhões de anos ela vai sofrer transformações, até adquirir as características atuais, com 30 por cento de massa continental e setenta por cento de águas oceânicas. A força que ordenou o planeta há 4.600 milhões de anos, deixou em suas entranhas uma multiplicidade de poderes geradores, e a mãe terra, no cio, está pronta para o milagre da vida. Há 3.500 milhões de anos surgiram no mar os primeiros seres vivos, de formas muito primitivas que foram evoluindo lentamente, dando origem a estruturas cada vez mais complexas, até se chegar a todas as formas de vida hoje existentes. E a água será sempre o elemento fecundador, responsável pela fertilização da mãe-terra. E gerando todos os seres, ela vai alimentá-los, dar-lhes abrigo, e ser o seu repouso no fim da vida, recebendo deles novamente o germen fecundo.
O homem foi povoando e percorrendo a Terra, que acreditava inicialmente ser plana e cercada por um oceano intransponível. Transpôs o oceano e percebeu que a superfície do planeta é curva. Mais tarde Pitágoras concluiu que a Terra é uma esfera e Nicolau Copérnico afirmou que ela gira em torno do Sol. Mas o fato determinante para o conhecimento do planeta foi a epopéia das grandes navegações iniciadas no século XV pelos portugueses da Escola de Sagres, que contornaram a costa da África chegando ao Oceano Índico. As viagens se multiplicaram, Colombo descobriu a América, Cabral descobriu a "Terra Brasilis", e Fernão de Magalhães deu a volta pela América do Sul, penetrando no Oceano Pacífico e fazendo a primeira viagem de circunavegação do planeta.
Graças aos navegadores foi criado o mapa-mundi, e há poucas décadas o homem conseguiu preencher os espaços em branco nas cartas geográficas, onde permanecia incerta a descrição dos territórios. No giro de duas gerações ele preencheu essas lacunas, e, voltou seus interesses para os abismos marinhos e os espaços celestes.
Conquistando o espaço, o homem pode finalmente contemplar a Terra de longe e admirar o seu planeta, belíssimo, envolto numa luz azul, velada por nuvens em movimento sobre as figuras nítidas dos continentes recortados por oceanos de bazalto.
Mas enquanto o homem admira a terra do espaço, vê que nem tudo é azul no planeta azul: A Mãe Terra sofre com a deteriorização do ecossitema, com a extinção de espécies de animais, o esgotamento das fontes de energia acumuladas durante milhões de anos, a alarmante degradação dos rios pelas escórias industriais neles descarregadas, a contaminação dos lençóis de água pelos agrotóxicos, a fumaça causada pelas queimadas nos campos e pela motorização excessiva nos grandes centros urbanos, o desmatamento indiscriminado que privou o planeta de grande parte das florestas européias e norte-americanas, e que consome em ritmo acelerado a floresta amazônica, responsável por dois terços do oxigênio e garantia de vida no planeta. A destruição da camada de Ozônio aumenta a temperatura, o derretimento do gelo nas calotas polares ameaça as regiões litorâneas de serem tragadas pelo mar. Enquando algumas regiões sofrem com inundações, outras vivem o flagelo das secas.
A Mãe Terra sofre, e a nossa Terra Brasilis já perdeu muitas de suas belezas, já não são tantas as suas estranhas aves e pouca a gente inocente na sua nudez. Hoje, os filhos de bons rostos dessa terra de bons ares estão cada vez mais sem a sua floresta. Hoje ela é a terra dos sem-terra, dos sem-teto e sem-nada. A Terra Pátria, envergonhada, chora de tristeza, de ver tantos filhos seus, órfãos da Terra Mátria. E a Rosas de Ouro faz ouvir a sua voz, pra que a Máe Terra continue a gerar vida, como tem sido desde o início dos tempos, e que todos os seus filhos e herdeiros tenham direito a um pedacinho do seu chão.
O Cântico da Terra
Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore e veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte universal de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante do teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão da tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim tu acharás descanso e paz.
Eu sou a grande mâe universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino do teu filho.
O algodão da tua veste
e o pão da tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranquilo dormirás.
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos do sítio
felizes seremos.
(Cora Coralina)