A África é o berço da humanidade. Ali nasceu o Homo sapiens, negro, há 200 mil anos. Sendo a África uma região quente, sua pele era escura devido a concentração de melanina , que serve de proteção da radiação solar. À medida que foi migrando para o norte, em direção às regiões frias da Europa, sua pele foi se tornando progressivamente mais clara, culminando nos povos nórdicos.
Na África o homem evoluiu, criou a agricultura e a civilização. Na antiguidade os núbios, os etíopes, os kuch e os nok tinham um avançado grau de desenvolvimento, e os egípcios atingiram o apogeu de sua civilização. Os conhecimentos da civilização africana, via Egito, chegaram aos babilônios, persas, gregos, romanos, contribuindo para a civilização da Europa.
Até o século XV a África seguia seu próprio desenvolvimento, com importantes estados constituídos, como o Império Songai, o Império de Gana, o Reino do Zimbábue, o Reino do Daomé, a civilização Achanti (refinada pela sua arte), a civilização Yorubá (composta de cidades-estado), e a civilização Ilê Ifé, entre outras. Algumas cidades como Gao, Tomboctu, Djennê e Benim, eram mais povoadas que Lisboa, Veneza e Londres, e possuíam universidades. As sociedades africanas eram constituídas de várias etnias, ricas, complexas, plurais. Possuíam estrutura relativamente estável, e os reinos africanos gozaram de relativa estabilidade até a chegada dos europeus, para quem vendiam ouro, marfim e sal.
Os portugueses são os primeiros a chegar à África pelo Oceano Atlântico, em busca das riquezas do continente. Além de ouro, sal e marfim, em 1441 eles levaram a Lisboa alguns africanos como escravos, mais “curiosidade” do que mão de obra.
Com o descobrimento da América por Cristóvão Colombo, os portugueses vão dividir com os espanhóis as terras do Novo Mundo. E para construir suas belas colônias nas Américas, explorar suas minas de ouro e de prata, decidem escravizar os ameríndios, que não se submetem ao trabalho forçado. Fracassada a tentativa de usar mão-de-obra indígena, eles vão se voltar para os negros da África, iniciando um tipo de escravidão inédita, baseada no subjugamento de seres humanos em razão da cor da pele.
A justificativa para a escravidão negra é a Bula “Romanus Pontifex”, de 1455. Nela, o Papa Nicolau V concede ao Rei de Portugal, D. Afonso V, livre e ampla licença para “invadir, perseguir, capturar, derrotar e submeter todos os sarracenos e quaisquer pagãos e outros inimigos de Cristo onde quer que estejam seus reinos”.
Usando o nome de Deus eles vão cometer esse grave crime contra a humanidade, fazendo crer que a escravidão era a única maneira de salvar do inferno a alma desses homens “sem alma”. A religião foi o suporte ideológico de uma barbárie de “civilizados”.
Inicialmente essa mercadoria humana era constituída principalmente de populações vencidas por soberanos locais. Estabelecendo com os chefes vitoriosos um comércio baseado no escambo, trocavam com eles tecidos de seda, jóias, tabaco e armas, por seus prisioneiros de guerra. Com a intensificação das exigências comerciais, os pequenos reis levam os brancos ao interior do continente, organizando verdadeiras caçadas, ataques repentinos às aldeias, à procura da “madeira de ébano”. Milhares de pessoas são capturadas e chegam ao litoral em longas filas, como bestas humanas, chicoteadas e presas ao pescoço por pesadas forquilhas de madeira. Ali é feito o leilão, com os belos e fortes sendo escolhidos e velhos ou doentes sendo sacrificados. O comprador examina com cuidado a boca de cada um. Para cada dente que falte, o valor é reduzido.
Antes de embarcarem, no ponto do não retorno, que não veriam nunca mais, eram marcados com a cruz em brasa para que passagem do estado de “selvageria” ao estado de “felicidade”. Foram separados pra sempre de suas famílias, para que apagassem da memória suas lembranças e sua identidade cultural. Estima-se que o tráfico custou a liberdade a trinta milhões de pessoas deportadas para as Américas, sem contar as que morreram no momento da captura, na triagem ou nos navios.
Durante quatro séculos, portugueses, espanhóis, ingleses, franceses e holandeses, através do tráfico negreiro, vão esvaziar a África de seus homens mais robustos, das mulheres mais sãs, das moças e crianças mais belas. Perdendo suas forças vitais, o desenvolvimento demográfico do continente vai ficar paralisado por duzentos anos.
De todos os países americanos, o que mais importou escravos foi o Brasil. Estima-se que durante três séculos de tráfico intenso, o país vai receber entre quatro e seis milhões de pessoas. Como mercadorias eram transportados em navios negreiros, que chegavam a levar 600 africanos amontoados nos porões, acorrentados uns aos outros em condições sub-humanas. Durante a travessia, que durava dois meses, muitos morriam por doença, desnutrição, inanição, banzo (melancolia causada pela saudade da terra e de sua gente), ou desespero. Muitos eram jogados dos navios, outros se jogavam como resistência à escravidão, como se o mar os fosse devolver à África.
Na chegada ao Brasil, eram desembarcados como mercadoria, e substituídos por açúcar na viagem de volta.
Os primeiros desembarques aconteceram na Bahia, em 1548. Em seguida se estenderam a Pernambuco e Rio de Janeiro. Aqui novamente sofreram a humilhação da triagem, e após a venda eram marcados a ferro em brasa com a identificação do comprador.
Vão sofrer, além da violência física, a violência cultural, através da imposição do idioma português e da religião católica, em detrimento da cultura africana, das suas crenças religiosas e do seu modo de ser.
Aqui foram explorados nas lavouras e nos engenhos de cana-de-açúcar, e a qualquer manifestação de rebeldia eram amarrados ao tronco e sofriam todo tipo de tortura. Os fugitivos capturados tinham a orelha cortada e a letra F gravada na testa. Como reação a essa humilhação, aumentou o número de fugas, e a melhor forma de resistência foi a organização dos quilombos. O mais famoso, o de Palmares, recebeu tantos fugitivos que chegou a ter 30 mil habitantes. Sob o comando de Ganga Zumba e Zumbi dos Palmares, vai resistir durante 64 anos.
Com a decadência da indústria açucareira no nordeste muitos escravos são deslocados para a extração de ouro em Minas Gerais. E em Ouro Preto a teoria de inferioridade intelectual dos negros vai cair por terra, através do primeiro gênio brasileiro, Aleijadinho.
Com o crescimento das economias urbanas, os escravos passam a ser utilizados em outras funções nas cidades, como a produção e venda de produtos artesanais, ou o transporte de cargas.
A miscigenação aumenta, nasce o sincretismo religioso através das Irmandades dos Homens Pretos e de terreiros de Candomblé e Umbanda. Os escravos enriquecem o idioma português e fecundam a cultura brasileira com seus temperos, ritmos e danças, com a percussão de seus tambores, criando aqui os vistosos maracatus, as congadas, o jongo, a capoeira, o frevo e o samba.
Durante três séculos produziram as riquezas do país nos canaviais, nos garimpos e nas lavouras de café, condenados a viver na pobreza. Nessa vida de sofrimento e resistência, eles conservaram a integridade de sua condição humana, sonhando com o fim da escravidão.
Com o crescimento do movimento abolicionista e a pressão internacional, o Brasil será o último país a libertar seus escravos, em 1888. Mas após a assinatura da Lei Áurea pode-se dizer que acabou a escravidão?
Ela deixou uma marca tão profunda de preconceito racial, que impediu a elevação dos negros a uma condição de igualdade na sociedade brasileira. Eles continuaram escravos da relação de inferioridade econômica em relação ao homem branco, e do descaso histórico pela cultura afro-brasileira. A prática da Capoeira seria crime previsto no Código Penal até 1937, quando é liberada. E as tradições afro-brasileiras continuam vistas como cultura inferior, “coisa de preto”.
Hoje a Constituição Brasileira assegura a igualdade de direitos a seus cidadãos, sem preconceito de raça, opção religiosa, sexo ou cor. Mas a igualdade perante a lei não assegura aos afro-descendentes condições dignas de vida.
O Governo Brasileiro tenta resgatar essa dívida social, através do ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, e a criação de cotas nas universidades para estudantes afro-descendentes. Mas um trabalhador negro com formação universitária ainda recebe salário menor que um trabalhador branco exercendo a mesma função.
Hoje 45% da população brasileira é afro-descendente. Muitos tiveram ancestrais reis e rainhas, mas por causa da melanina, hoje são apenas reis da ralé, da favela, da fome, da marginalidade, do trabalho pesado, da cozinha, do salário mínimo, do desemprego.
O mundo reconheceu a escravidão e o tráfico negreiro como um crime contra a humanidade, o Papa João Paulo II reconheceu a responsabilidade da Igreja nesse lamentável episódio da história da civilização, e o Presidente Lula, em comovente viagem à África, pede perdão pela escravidão no Brasil.
Mas não cabe apenas ao governo reconhecer essa dívida social. Cabe a nós, cidadãos brasileiros, em respeito à origem comum da raça humana e à nobreza do leite da mãe negra que amamentou nossos antepassados brancos, restaurar os direitos dos afro-descendentes, fazendo com que eles possam andar de cabeça erguida como nossos irmãos, através da promoção da igualdade racial.
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